Com a chegada da pandemia novamente se lembraram da produção agro-pecuária nacional e de como assegurar os canais para que esta chegue a casa dos portugueses. Nada de espantar. Foi assim em 2008, com um movimento especulativo mundial a fazer trepar os preços dos bens agrícolas. Falaram então da necessidade do país possuir «reservas estratégicas de alimentos». Foi assim em 2012, com os preços dos cereais a disparar nos mercados internacionais e a fazer soar as campainhas de alarme. Só se lembram de Santa Bárbara quando troveja…

Sempre que há desgraças lembram-se que o país precisa de estar preparado, PREVENIDO para uma questão de vida ou de morte, ou seja, haver ou não haver alimentos para a sua população, haver ou não proteína animal e vegetal para produzir a matéria e a energia que assegura a sustentação da vida humana.

Ora às portas da pandemia os sinos tocaram mais uma vez a rebate, desta vez os carrilhões de Mafra.

Um documento (importante) do Ministério da Agricultura fez o balanço das disponibilidades e possíveis problemas com o abastecimento alimentar do país. Pode ler-se na página 18: «Segundo o INE (…) nos cereais de outono/inverno, e pelo sétimo ano consecutivo, a superfície instalada diminuiu, passando para os 106 mil hectares (a menor dos últimos cem anos), com reduções generalizadas: trigo duro (-15%), triticale e cevada (-10%) e trigo mole e aveia (-5%) (…)». Do centeio, do praganoso das serranias já nem falam! Cito e sublinho «Grau de Autoaprovisionamento: 4% em 2017/18». Mesmo no milho, onde a situação é melhor, estamos com um grau de autoaprovisionamento de 24,2%.

Dito isto, quem será capaz de dizer que as políticas agrícolas de sucessivos governos PS, PSD e CDS, a PAC e as sucessivas reformas da PAC, guiadas pelos interesses agrícolas da França, Alemanha, Holanda e outros, foram acertadas, adequadas ao país? E outra conclusão se impõe: apesar de todos os avisos, 2008 e 2012, o país não emendou a mão.

Mas dizer o país é atirar a responsabilidade para cima de todos, e muitos houve que, bem pelo contrário, avisaram dos riscos dessas políticas, das suas consequências para a Soberania Alimentar do país.

Não foi por falta de alertas do PCP e de muita gente, da esquerda à direita, que se prosseguiu essa política suicida. O PCP tem a consciência tranquila (embora não esteja sossegado). Em sucessivas intervenções e projectos na Assembleia da República, nomeadamente em 2008 e 2012, em cada reforma da PAC desde 1992, avisou e tudo fez para mudar o rumo das políticas agrícolas do país. Em cada Programa Eleitoral sempre inscreveu como questão central e decisiva: «Portugal necessita de políticas agrícolas e de pescas com o objectivo de abastecer a população com produtos saudáveis, assegurar níveis de auto-abastecimento e o equilíbrio da balança agro-alimentar (…)», ou seja a «Soberania e seguranças alimentares».

Uma agricultura capaz de produzir o que o povo português precisa para se alimentar em boas condições e assegurar a Soberania Alimentar do país, o que não significa ausência de trocas comerciais de bens agro-alimentares com outros países, que sempre houve e haverá. Uma agricultura implementada em função da terra agrícola que temos, das nossas condições edafoclimáticas, das estruturas económicas e sociais do nosso mundo rural, nomeadamente, da forte presença da agricultura familiar, e por políticas ajustadas às nossas capacidades e necessidades.

E levada a cabo pelos governos e Assembleia da República no quadro do regime democrático consagrado na Constituição da República. Não pode ser uma política agrícola conduzida pela Bolsa Agrícola de Chicago, pelos mercados internacionais e os preços que assim são fixados (grande parte das vezes por razões completamente estranhas às variações da oferta e procura de bens, mas pelos jogos financeiros e políticos de quem faz da alimentação instrumento de especulação e arma de agressão e geopolítica. Mas é o que hoje preside e conduz a PAC, como afirma sem rebuços a CE.

Não podem ser os mercados, a PAC, a UE, as potências agrícolas da Europa, a dizer o que se produz ou não se produz em Portugal.

Não podem ser os interesses dos grandes grupos monopolista da Grande Distribuição, da Agro-indústria, da Agro-química a condicionar e a conduzir a política agrícola. Por aí, nunca asseguraremos aos povos a Soberania Alimentar.

Portugal não pode, seguindo as orientações determinadas por esses grupos de interesses, especializar o seu território em eucalipto, azeite e alguma produção hortícola, reduzindo as potencialidades e a diversidade do seu agro segundo os interesses do lucro desses grupos transnacionais e nacionais. É muito importante o equilíbrio da Balança Agro-alimentar. São importantes as nossas exportações.

Mas temos de recusar um equilíbrio assente apenas em valor, sacrificando a produção nacional de bens estratégicos como os cereais, o leite, a carne, os horto-frutícolas, oleaginosas e proteaginosas, o açúcar, etc. Não basta que o país exporte em pasta de papel, azeite e vinho (e que importante são estas exportações), porque a sua especialização na produção destes produtos não é suficiente para compensar o que importamos em cereais, carne, etc.

O que precisamos é de produzir tanto quanto for possível e compatível com as condições agrológicas e edafoclimáticas do país, e a sustentabilidade dos equilíbrios ecológicos, os produtos agro-alimentares estratégicos. Não temos terras nem clima para produzir 100% dos cereais que necessitamos. Mas conseguir 50% é uma coisa e estar reduzido a 4%, a caminho de zero por cento, é outra radicalmente diferente! É a dependência absoluta do país no abastecimento de um bem essencial à sobrevivência desta colectividade humana. Estas considerações devem levar-nos à necessidade da (re)inscrição da Soberania Alimentar no «Conceito Estratégico de Defesa Nacional», de onde foi apeado pelo PS, PSD e CDS.

A argumentação era que a nossa pertença à UE e a liberalização do comércio mundial deveriam expurgar das nossas preocupações qualquer problema com o abastecimento alimentar do país. Este «Conceito» define as prioridades do Estado em matéria de defesa, de acordo com o interesse nacional, e é parte integrante da política de defesa nacional, no quadro dos princípios e normas constitucionais.

Ora, parece que a pandemia faz entrar pela janela o que foi expulso pela porta da política de direita: as preocupações com o abastecimento alimentar do nosso povo. Se dúvidas houvesse, basta ler o documento já referido elaborado pelo Ministério da Agricultura.

 

Ps: o 1.º Ministro em visita à CEIIA (08MAI20) declarou: «Não podemos estar tão dependentes de fornecimentos externos como temos estado até agora. Coisas tão banais como máscaras não podem vir de países que estão a milhares de quilómetros de distância.» (1) Que grande lata!, e o “pãozinho” Sr. 1.º Ministro? A inefável Teresa de Sousa (a exemplo de outros, como Pedro Santos Guerreiro no Expresso) já se tinha antecipado: «Se há lição que o mundo já retirou desta crise foi a de que não pode entregar à gigantesca fábrica chinesa a produção de bens essenciais no combate à pandemia.» (2) A pandemia, qual sarça ardente, fez jorrar a luz nestas cabeças. Espera-se a todo o momento que estas e outras ilustres figuras venham reconhecer as razões do PCP na defesa de décadas da produção nacional!

(1) Público, 09MAI20.

(2) Público, 03MAI20.