Viva o 1º de maio! Quer dizer, o melhor é não começar já a dar vivas. No momento em que escrevo este artigo, ainda não sei como correu o Dia do Trabalhador. Mas, nem por isso me esqueci do que se passou no Dia da Liberdade: a deputada do IL, Patrícia Gilvaz, foi insultada e intimidada fisicamente, e o mesmo tratamento levou a candidata do ADN às europeias, Joana Amaral Dias.

Nenhum destes eventos mereceu o devido repúdio, que se exigia transversal, consensual e categórico. Lamentavelmente, venceu a hipocrisia. No meio de tantas ovações à liberdade, quem iria permitir que as restrições à mesma estragassem a festa?

Alguns órgãos de comunicação até suavizaram os factos, reduzindo-os à simples vaia ou deixando no ar a suspeita do “diz que”, “alegadamente”, etc.  Afinal, a pobre Patrícia nunca foi do Livre, do BE, ou afins, e a imperdoável Joana deixou de o ser. O que é bem pior. Logo, qualquer intimidação ou agressão que sofram nada mais será que a previsível consequência de andarem na rua, sujeitas à legítima indignação de populares que apenas exercem os seus direitos de cidadania.

Atitudes de orc não deveriam ser defendidas, nem ocultadas, nem desvalorizadas pelos media. Mas, foram. Acham que estou a exagerar? Façamos o teste do algodão: imaginemos que os ditos orcs eram do Chega (também lá não faltam). Alguém poderia conter o escândalo e o histerismo que incendiaria as redações, os telejornais e os programas de opinião? A verdade é esta: uns podem, outros não.

No fundo, todos sabemos disso. E o mesmo se passa a nível internacional. Quem não se recorda dos “protestos pacíficos” do BLM – com direito a roubo e a danos colaterais (agressões, assaltos, mortes) – perfeitamente justificados pela CNN americana?

Nada disto é coincidência. A dissonância cognitiva e a dualidade de critérios sempre fizeram parte da agenda revolucionária, pois fomentam a rendição das massas à superioridade moral dos agentes da revolução. Já Cunhal o dizia, “a moral dos comunistas é contrária e superior à moral burguesa. (…) Age como «força material» na transformação do mundo. E, voltada para o futuro, indica os traços essenciais da transformação do próprio homem” (“A superioridade moral dos comunistas”, Edições Avante, 1975).

Neste sentido, a disrupção torna-se um instrumento essencial da ação de vanguarda, na medida em que simultaneamente impõe e revela a superioridade moral do agente. Na sua obra autobiográfica, “School of Darkness”, Bella Dodd conta-nos como descobriu isso ao serviço do Partido Comunista da América, após ter sofrido uma aparente derrota política: “Descobri que os atos de ousadia, apoiados pelas aparências de justificação moral, têm um impacto tremendo na construção de um movimento, independentemente de se ganhar ou não.”

Assim se percebe como tão facilmente um revolucionário se transforma num orc. Ele sente-se justificado a fazer tudo e um par de botas, desde intimidar quem bem lhe apetece, enquanto destila os rótulos habituais (“fascista!”, “transfóbico!”, “nazi!”), a cometer atos de vandalismo e profanar campas – como há dias se habilitou aquele rapaz que modestamente se acha um segundo Bordalo.

Bella Dodd tem razão. A disrupção fortalece internamente o movimento. Sucede que, felizmente, a maioria das pessoas vive fora dele, a bem da sanidade mental. Não se deixa impressionar pela superioridade moral de “artistas” mórbidos, nem de covardes que intimidam mulheres pelo pecado de exercerem livremente os seus direitos políticos e civis, em plena festa da liberdade. Alguém me faça o pós-briefing, a ver se o mesmo se repetiu no 1º de maio.