A pandemia que enfrentamos constitui um teste claro à forma como funcionamos em sociedade e à capacidade que temos para lidarmos, em conjunto, com uma ameaça que é invisível e que está a provocar uma disrupção sem precedentes nas relações económicas, com um impacto transversal a todos os sectores e, assim, também ao da justiça e, no quadro deste, com especial incidência na advocacia.

Só que, no caso da justiça, estamos a falar de direitos constitucionais, que não podem ficar em suspenso, tal como a democracia também não pode ficar de quarentena. E, no caso da advocacia, estamos a falar de uma profissão que é essencial à concretização do exercício de direitos constitucionais.

Pela sua natureza, por ter de sublinhar a sua independência, obriga-se a ser uma profissão liberal por excelência, e, por isso mesmo, está mais exposta à crise repentina que se abateu sobre todos nós. Não obtendo respostas que mitiguem os riscos agudos em que incorre, a advocacia independente corre risco de existência, podendo não subsistir para ver ultrapassado o estado de exceção.

Para responder ao estado de exceção em que vivemos, defendo, e o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados propôs, medidas de exceção que permitam que as advogadas e os advogados tenham uma perspetiva de ultrapassar a crise.

O facto é que o sistema judicial está praticamente encerrado, laborando em níveis que considero inferiores aos mínimos exigidos quando tratamos de direitos constitucionais. Esta situação faz com que inúmeras advogadas e inúmeros advogados tenham, repentinamente, ficado sem qualquer rendimento, especialmente quando se trata do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, mas mantendo muitas despesas obrigatórias, o que é inaceitável.

Por isso, pedimos a isenção do pagamento de quotas à Ordem dos Advogados pelo período de três meses. Pedimos, também, à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que suspenda a obrigação de pagamento das contribuições, pelo menos, até ao fim do mês em que termine este período de constrangimento.

Mas também pedimos o pagamento imediato de todos os valores confirmados no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) e a confirmação de todos os atos já realizados e o respetivo pagamento.

Pedimos que se façam diligências, rapidamente, para que as advogadas e os advogados possam ter acesso ao apoio financeiro que o Governo disponibiliza aos agentes económicos para responder à diminuição de rendimentos, porque não podemos ser menos que qualquer outro agente económico, não podemos continuar a ser um parente pobre da família dos que trabalham para que se concretizem os direitos dos cidadãos.

Caso contrário, poderá não haver advocacia no final desta crise, com a consequente desproteção dos mais carenciados, que deixarão de ter quem os defenda no âmbito do SADT!

Depois, não podemos aceitar uma suspensão ad aeternum do sistema judicial. O que propomos é que que os prazos judiciais sejam suspensos apenas quando a prática dos atos obrigue a contactos sociais ou à existência de meios que as advogadas e os advogados não disponham quando se encontrem em regime de quarentena, mas apenas durante o período necessário à adaptação à nova realidade. E essa adaptação deve começar pelo Ministério da Justiça, adotando o teletrabalho, generalizando as videoconferências, sempre que possível, e reforçando a capacidade para que os atos sejam feitos à distância.

A justiça e a advocacia não podem ficar em suspenso, porque são estruturais na sociedade. Por isso, somos um Estado de Direito!