Raras são as vezes em que a realidade nos presenteia com duas formas opostas de resolver o mesmo problema e em que o resultado final é visível e compreensível para todos. Falo-vos do intratável problema das rendas de casa muito elevadas e de como Berlim, por um lado, e Lisboa, pelo outro, se atacaram ao problema.

Foram dois artigos de jornal lidos sequencialmente que me surpreenderam nesta manhã de quarta-feira 15 de Janeiro. O primeiro é do Financial Times e fala-nos de Berlim. Todos conhecemos o problema: a cidade atrai cada vez mais habitantes, vindos de toda a Alemanha, mas também de muitos outros países que, na miragem do pleno emprego e Estado Social alemães, escolhem Berlim para viver. Na Alemanha existem empresas que se dedicam à construção para arrendamento, um fenómeno relativamente raro em Portugal.

Com o aumento de procura, o sempre lento ciclo de construção levou a uma pressão sobre as rendas do parque edificado e, num período de poucos anos, começaram a ouvir-se as vozes contra a especulação imobiliária que afasta os habitantes do centro das cidades e impede os jovens, os mais velhos e os que menos têm do acesso à habitação. Na última década, as rendas duplicaram. Sem meias medidas, o município impôs um congelamento de cinco anos, com início no próximo mês de março, em 1,5 milhões de unidades habitacionais ao preço médio praticado em 2019. Foram fixados parâmetros de arrendamento por metro quadrado. Quem esteja acima dos limites pode pedir a redução da renda. Cerca de 340.000 inquilinos estão nestas condições.

Resultado: as empresas deixaram imediatamente de investir e 5,5 mil milhões de euros em construções previstas deixarão de realizar-se nos próximos cinco anos. Assentadores de tijolo, canalizadores, armadores de cofragem estão a abandonar a cidade porque deixaram de ter trabalho. Pequenos construtores e subempreiteiros estão completamente sem trabalho. Apenas reparações básicas estão a ser efetuadas e há já queixas de degradação do parque existente.

O presidente da Câmara ajudou ao sentimento de descrédito ao afirmar que “[os construtores e senhorios] não podem fazer o que lhes apetece”. Algumas casas perderão cerca de 40% do seu valor, segundo o Instituto Económico Alemão, em Colónia. A quebra de investimento é tal que o governo federal levou a medida ao tribunal constitucional alemão pois teme o recriar de condições de Berlim Leste e não as que ainda hoje se vivem numa das mais vibrantes cidades europeias.

Em Lisboa, a abordagem tem sido diferente. Um certo ambiente liberal levou a uma explosão de reabilitação e construção no centro da cidade que já alastrou para bairros e municípios periféricos. O conjunto dos portugueses (quem tem casa ou seja, mais de 80% de entre nós) viram a sua riqueza crescer nos últimos anos em mais de… 128 milhares de milhões de euros. Isto significa metade da nossa espantosa dívida pública. Ou seja, estamos quase todos mais ricos e o país também.

Mas as rendas dispararam. E aí estão as exigências: acabar com os vistos gold, acabar com o regime de residente não habitual, acabar com o alojamento local, impedir novos hotéis ou seja, acabar com o que nos fez mais ricos para que 5 ou 10 mil jovens possam voltar à Baixa lisboeta de onde fugiram a sete pés quando ela estava a cair de podre. Felizmente – uma vez que não é costume – o mercado funcionou. As rendas tanto subiram que a procura deixou de se produzir e, finalmente, começaram a descer.

Segundo o “Público” desta quarta-feira, baixaram -1,4% no último trimestre de 2019. Em Lisboa, elas tinham aumentado 78% relativamente ao período mais baixo, verificado em 2013, nos dentes da crise. No entanto, nota o mesmo jornal, a construção continua sem parança e, embora também aí os preços tenham deixado de subir, não há fuga de investimento e o pleno emprego no setor imobiliário mantém-se.

Em hora de aprovação do Orçamento, onde tantas exigências em matéria de rendas se continuam a verificar, vale a pena pensar no exemplo real destas duas cidades. A escolha é nossa. Em última instância, congelar rendas leva sempre à desvalorização de quem tem casa – a vasta maioria dos portugueses – à degradação do parque habitacional, como no nosso passado recente. Medidas de controlo de preços arruinaram países como a Argentina e a Venezuela e, improvavelmente, talvez mesmo Berlim. Talvez sejam de evitar.