1. Há que lembrar: a TAP nasceu privada e só foi tomada pelo Estado depois de Abril de 1974. Por exemplo, no memorando da intervenção da troika, assinado em 2011 pelo governo PS de Sócrates, constava a privatização da companhia aérea. Do programa do governo PSD de Passos Coelho, eleito a seguir, também constava. Em 2012, a ‘coisa’ esteve para se fazer com o empresário German Efromovich, dono do grupo Synergy e da companhia aérea Avianca. E foi assim que anos mais tarde, em 2015, numa noite, dois dias depois de ter caído no Parlamento, o governo laranja, já defunto, assinou com o consórcio Atlantic Gateway, liderado pelo norte-americano David Neeleman, a venda de 62% da TAP. Logo a seguir veio, em nome da geringonça rosa, António Costa reverter o processo. Queria de novo a maioria. Não a teve – mas, num processo original, o Estado ficou com 50% e os privados a mandarem.

Agora é suposto a pandemia explicar tudo. Mas a verdade é que a gestão da TAP já estava em dificuldades antes, tanto para pagar o leasing dos aviões como, mais grave, para comprar o combustível. Por isso, Costa deu um empurrão a Neeleman para fora, pouco antes de Pedro Nuno Santos proferir uma série de fanfarronices como a de ir contratar um expert internacional para gerir a companhia. Enfim, o calvário da TAP podia dar vida a um manual de como se faz política em Portugal.

2. Dados substantivos: a TAP precisa de três mil milhões até 2023/24. O plano do Governo passa por despedir 500 pilotos, 750 tripulantes de cabine e 750 trabalhadores de terra, além de reduzir em 25% a massa salarial e o número de aviões que compõem a frota (105 para 88). Já se sabe que se prevê uma recuperação da procura de 46% em 2021, seguindo-se depois uma gradual retoma até 94% dos níveis pré-pandemia lá para o ano de 2025. Brevemente saberemos mais através de uma apresentação pública do documento que seguiu quinta-feira, 10 de dezembro, para a aprovação de Bruxelas. Sem essa aprovação não haveria, não haverá, restruturação. Melhor dizendo: não haveria, não haverá, TAP.

3. A TAP que o Governo deveria levar ao Parlamento não é a TAP da sobrevivência (aquela mal-amanhada ideia que Marques Mendes foi incumbido de anunciar quando a ideia ainda metia votação dos restantes partidos).

A TAP que nunca nenhum governo levou ao Parlamento é a TAP que queremos ter.

Esta é a discussão que falta e interessa: quanto estamos dispostos a pagar, através do Orçamento do Estado, para manter o país como elo de ligação da língua portuguesa? Queremos, por estratégia nacional, colocar Lisboa no centro da operação da lusofonia e garantir a ligação entre a diáspora ou isso é irrelevante? Depositamos a história nos livros, à consideração – claro – do revisionismo da extrema-esquerda, ou queremos continuar a escrevê-la de forma dinâmica no presente e no futuro? Deixamos o mercado tratar de tudo ou pretendemos ter uma palavra a dizer?

A TAP tem de ser construída pela ideia que dela queremos ter, grande, pequena ou nenhuma. Outra coisa é a gestão. Poderia ser pública se tudo quiséssemos pagar (e a União deixasse…), até as ambições dos nossos autarcas da moda; e poderia ser privada, suportando o Estado, por contrato, o custo daquilo que pretende como serviço-base.

O problema é esta política ioió, em que PS e PSD, sobretudo, querem hoje uma coisa e logo outra e as às vezes coisas diferentes na mesma legislatura. A TAP explica isto tudo muito bem.