Escrevi já sobre o meu espanto perante a impreparação do Ministério da Educação na reação à segunda fase da pandemia que explodiu em janeiro. As escolas fecharam para “férias”, prejudicando de várias formas as aprendizagens dos alunos. A incapacidade de se saltar de imediato para um modelo online ou híbrido, depois de mais de 10 meses de experiência com a pandemia, não deixou de me surpreender.

Mas acredito que as pessoas e as instituições podem aprender com os erros e, consequentemente, o ministério estar-se-á certamente a preparar para o que aí possa vir, com planos de contingência para o ano letivo 2021/22 se tiver de arrancar, ainda, sob as nuvens da pandemia.

Mas mais, quero crer que o Ministério se estará a preparar para os anos de recuperação de aprendizagens e competências que os nossos alunos e as nossas escolas vão ter pela frente, tendo, provavelmente, constituído já uma task force de especialistas que envolva escolas, professores, psicólogos e pedagogos para prepararem um plano daquilo que vai ter que ser a mais profunda e ousada intervenção de emergência no ensino em Portugal.

Vejamos algumas coisas que se poderão considerar no ensino até ao 9º ano (o secundário, mais especializado, terá outros problemas e dever-se-á articular com o ensino superior para garantir a recuperação necessária).

Ter-se-á que fazer um trabalho de fundo e detalhado, específico para cada ano, e garantir que os saberes estruturantes são adquiridos de forma rápida sem comprometer as aprendizagens globais que os jovens devem adquirir até ao final do 3º ciclo. Ter-se-á que distinguir o que são essas aprendizagens estruturantes, que devem ser recuperadas num ano ou dois, e o que são as aprendizagens que podem ser espalhadas ao longo do restante percurso escolar.

Um exemplo que me parece ilustrativo é o das competências de leitura e escrita: são obviamente estruturantes já que comprometem as restantes aprendizagens; já, por exemplo, o Estudo do Meio pode ser facilmente espalhado pelos quatro anos do 1º ciclo, ainda que obrigue a uma revisão do programa.

Os anos de recuperação dever-se-ão focar nesta distinção e rever currículos, carga horária e estratégias de acompanhamento. Tem que ser claro que haverá uma hierarquia de aprendizagens e tem que haver coragem para a definir.

Talvez seja também necessário um 10º ano diferente para os alunos do 9º que transitam com falhas básicas. Talvez o 10º ano tenha que ser mais transversal, o que obrigaria a repensar os exames das disciplinas bianuais e consequentemente o curso do secundário.

Tudo isto exige coragem política e ambição, exige pensar diferente e ter capacidade de ação. Exige ouvir professores e escolas e trabalhar com ambos, não só porque são os maiores especialistas na matéria e conhecem o terreno, mas porque sem eles nada se faz. É crucial então que a dita task force comece já a trabalhar em força e a perceber os modelos que estão a ser utilizados noutros países e que são adaptáveis à nossa realidade ou os que, não sendo, têm que ser criados por nós.

Como é uma situação de urgência, como os problemas são inúmeros e diversos e as soluções, provavelmente, múltiplas, quero mesmo acreditar que o Ministério já está à frente do problema e que, chegados a setembro, os nossos alunos terão um programa sério, ousado e único de recuperação que, de uma vez por todas, nos porá na linha da frente.