O processo de digitalização na Educação foi impulsionado pela pandemia COVID-19 e veio para ficar.
O estudo de “Avaliação do contributo do Portugal 2020 para a Digitalização da Educação”, que tive o prazer de coordenar, conclui que a cedência de computadores e equipamentos de conectividade a alunos e docentes das escolas públicas, acompanhada pela formação de docentes para aquisição de competências digitais, foi fundamental para a resposta a um problema conjuntural – necessidade de assegurar o ensino à distância durante os períodos de confinamento e democratizar o acesso – e estrutural – reforço e renovação do parque informático das escolas, que se encontrava obsoleto desde o lançamento do Plano Tecnológico para a Educação em 2007.
Verificou-se um aumento significativo na intensidade de utilização das ferramentas e conteúdos digitais no período de confinamento, que, no regresso ao ensino presencial, se atenuou, posicionando-se, contudo, em níveis médios superiores aos reportados pelos docentes no período pré-pandemia. A intensidade de utilização do digital manteve-se em tarefas administrativas e de comunicação com a comunidade educativa, mas reduziu-se em contexto letivo, evidenciando a necessidade de aliar aos progressos no acesso a alterações de metodologias pedagógicas e de processos no contexto de ensino-aprendizagem
O debate sobre o papel da tecnologia na Educação reacendeu-se com o recuo de alguns dos países escandinavos (os pioneiros na Europa) relativamente à opção pela generalização dos manuais escolares em formato digital, intensificando os alertas sobre o impacto na saúde cognitiva dos alunos e na aquisição de competências essenciais como a leitura ou a ortografia, bem como sobre a falta de sustentabilidade dos resultados dos investimentos em tecnologia no ensino.
O debate não deve, contudo, centrar-se na pertinência do aprofundamento do processo de digitalização da Educação – ele é incontornável. Deve-se sim assumir que este processo é amplo e que os investimentos em tecnologia (assumida como um instrumento e não como um objetivo) devem ser acompanhados de outros investimentos e medidas que, em simultâneo, concorrem para o sucesso das intervenções. Tendo em consideração os ensinamentos das experiências de outros países e das escolas portuguesas que avançaram primeiro, o processo deve procurar ser flexível e equilibrado, com capacidade de adaptação entre níveis de ensino (e.g. as necessidades do 1º ciclo são substancialmente diferentes das do secundário) e diferentes contextos territoriais (as escolas são diferentes, devendo estar alinhadas com as características da população servida).
O estudo de Avaliação apresenta várias recomendações a considerar, destacando-se:
- o aprofundamento e diversificação das ações de capacitação digital dos docentes (valorizando as metodologias ativas, a prática e a formação orientada para a inovação pedagógica);
- promover de forma sustentada o uso do digital em contexto ensino-aprendizagem (integração pedagógica das tecnologias digitais nos cursos de formação inicial de professores, reforço da importância das competências digitais no perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, apostar na educação para a cibersegurança e uso responsável da internet);
- Flexibilizar o modelo de distribuição dos kits Escola digital (com maior partilha da responsabilidade entre Estado e encarregados de educação e simplificação dos procedimentos de devolução e entrega dos equipamentos), reforçar a assistência técnica e o apoio informático e garantir condições físicas nas salas de aula e logísticas nas escolas para assegurar uma utilização frequente dos equipamentos nas aulas.
No final do ano letivo de 2020/2021, a taxa de adesão global aos kits Escola Digital era significativa, ainda que abaixo do previsto, situando-se nos 81% relativamente aos alunos ASE e 75% aos docentes. A adesão é decrescente em função do nível de ensino, rondando os 86% nas tipologias I e II (1º ciclo e 2º/3º ciclos) e 72% na tipologia III (ensino secundário e docentes).
A adesão entre os alunos mais carenciados foi superior nas diferentes tipologias de equipamentos, evidenciando a relevância dos instrumentos mobilizados na persecução dos objetivos de política pública, na medida em que os alunos de agregados familiares de menores rendimentos terão, à partida, maiores dificuldades de acesso a equipamentos próprios.
A total responsabilização dos encarregados de educação pela integridade dos equipamentos, associada à ausência de mecanismos de mitigação de riscos (e.g. seguros contra danos e avarias) representou o principal fator para a não aceitação do kit Escola digital por parte dos alunos carenciados. A expetativa de vir a incorrer em custos de reparação revelou-se particularmente condicionadora entre os agregados de menores rendimentos, sobretudo quando há a perceção, identificada em todo o processo de auscultação, de que os equipamentos são frágeis e propensos a danos mesmo com um nível de uso normal e cuidado. A adesão da procura foi também condicionada pelo acesso prévio a equipamentos informáticos pelos alunos, tornando desnecessária a aceitação do kit Escola Digital.
A menor adesão dos docentes é explicada, sobretudo, pela preferência pelo seu próprio equipamento face ao que seria disponibilizado (63% dos docentes inquiridos). O facto de o docente se encontrar em situação de caráter temporário de contratação ou a necessidade de devolver o mesmo equipamento passado pouco tempo da sua receção foram identificadas como condicionantes relevantes. Ainda que em menor grau, as condições de responsabilização pelo equipamento, a qualidade dos equipamentos ou a demora na entrega poderão também explicar a menor adesão dos docentes.
No que se refere ao pilar da capacitação dos docentes, observa-se igualmente uma adesão massiva à data de reporte (julho de 2022), sendo que até ao fim de 2022, cerca de 91% dos docentes já tinham realizado o diagnóstico Check-In (99.740 em valor absoluto, percentagem com base nos docentes do ano letivo 2021/22), e houve no total 47.771 participações na formação de Nível 1, 2 e 3 (44% dos docentes de 2021/22).
A taxa de adesão dos docentes às medidas de capacitação manteve a sua trajetória ao longo do ano letivo de 2022/2023, verificando-se uma taxa de adesão de 72% em março de 2023, alguns com múltiplas participações. As evidências recolhidas indicam que a resposta da oferta formativa abaixo da procura pelos docentes poderá ter sido uma condicionante a uma mais rápida evolução da taxa de cobertura.
A vontade de aumentar as competências digitais e o reconhecimento de que as ferramentas e conteúdos digitais facilitam o ensino e a aprendizagem por parte dos alunos foram os principais motivos identificados pelos docentes para a participação na formação da Capacitação Digital de Docentes (CDD). O interesse e valorização das competências digitais por parte dos docentes, ainda que possa estar aliada à necessidade (referida por metade dos docentes) de realizar horas de formação para a progressão na carreira, também se reflete no facto de 53% dos inquiridos que participaram na CDD terem participado também, nos últimos cinco anos, noutro curso relacionado com a aquisição de competências digitais.