Fomos recentemente confrontados com mais um momento de agudização das relações entre a Rússia e a Ucrânia. No princípio de março, as Forças Armadas ucranianas iniciaram a concentração de equipamento militar e armamento pesado perto da linha de contacto com as forças rebeldes no Donbass, chegando mesmo algumas unidades a entrar na zona desmilitarizada. Os indícios técnicos de uma ação militar ofensiva iminente eram inequívocos.

Estas movimentações foram acompanhadas pelo aumento de bombardeamentos e pela presença de combatentes do “Setor da Direita” na linha de contacto, uma organização neonazi muito ativa no golpe de Estado que derrubou em 2014 o presidente Viktor Yanukovych eleito democraticamente.

Todos estes desenvolvimentos, acompanhados e devidamente registados pela missão de observadores da OSCE, estiveram estranhamente ausentes nos relatos efetuados pela comunicação social europeia.

Perante as evidências de um ataque, a Rússia reforçou o seu dispositivo na Crimeia e na fronteira com a Ucrânia, na região do Donbass, levando-nos a acreditar que o conflito era inevitável. Tudo indicava que as Forças Armadas ucranianas iam lançar uma ofensiva generalizada na região controlada pelos rebeldes. O Kremlin atribuiu a culpa pela crise às movimentações ucranianas, argumentando que Kiev “agiu primeiro”.

A estas movimentações acrescentou-se uma suposta ameaça da NATO no contexto dos exercícios militares “Defender Europe – 2021”, apresentados por Alexey Arestovich, representante da Ucrânia no Grupo de Contacto Trilateral para o Donbass, como um meio para resolver o impasse através de um possível confronto militar com a Rússia. Será “um exercício da NATO em grande escala que vai do Mar Báltico ao Mar Negro. Vamos considerar como cenário um confronto militar com a Rússia”.

Simultaneamente, Joe Biden afirmava o apoio inabalável dos EUA à soberania e integridade territorial da Ucrânia, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensy apelava à NATO para ir em seu socorro.

Com os acontecimentos a fugirem ao controlo, Biden convidou Putin para uma reunião num país neutro, e no início de abril Moscovo manteve conversações bilaterais de emergência com Washington, num esforço para evitar um conflito total.

Conforme evidenciado num relatório do insuspeito CSIS de Washington, dificilmente se poderá considerar que a concentração de tropas russas tivesse uma intenção invasora. Se a Rússia quisesse invadir a Ucrânia, não o alardeava. Teria sido mais discreta para tirar partido da surpresa.

O problema ucraniano está para durar. A Rússia não permitirá a presença de bases militares da NATO em território ucraniano, como não o permitirá no Cáucaso do Sul. Fará os impossíveis para não ser encurralada militarmente. A determinação da Rússia nesta matéria ficou evidente em 2008, na Geórgia, e em 2014 na Crimeia. Falamos de pivôs estratégicos cujo controlo se reveste de uma natureza existencial para a Rússia, E, por isso, mata-se e morre-se.

Os dirigentes políticos ucranianos deveriam reconsiderar a possibilidade de regressarem ao “non-bloc status” baseado na neutralidade estratégica, e perceberem que a eternização da atual situação, acompanhada pelo agravamento da situação económica e social do país, lhes é tremendamente desfavorável. Fazer guerras por procuração dá mau resultado.