A construção de um discurso público e político que coloca os imigrantes no centro da vida política portuguesa, não passa de um exercício de terceirização da responsabilidade dos portugueses.
Vejamos, em tom de ironia, as situações das quais os imigrantes são os responsáveis: i) os imigrantes elegeram os Presidentes da República, os deputados e os Presidentes das Câmaras e das Freguesias; ii) os imigrantes governaram Portugal, nos últimos 50 anos e até antes; iii) os imigrantes foram os gestores dos bancos que declararam falência iv) os imigrantes desempenharam as funções de gestores das empresas públicas portuguesas; e v) os imigrantes estiveram envolvidos nos casos de corrupção e de tráfico de influência.
Quando um povo não consegue assumir o seu grau de responsabilidade política e prefere, sobretudo, terceirizar essa responsabilidade, significa apenas que não entendeu, ainda, onde residem os seus verdadeiros problemas.
É fácil e cómodo construir um discurso público contra os imigrantes, por serem sujeitos passivos e sem força política e representativa suficiente para contrapor tal discurso. Mas, esta terceirização da culpa aos imigrantes não altera a situação portuguesa que é, obviamente, estrutural do ponto de vista da produção da riqueza e da distribuição da riqueza produzida entre os portugueses.
Este comportamento só serve para esconder a incapacidade portuguesa de debater os assuntos estruturais e depreender que os principais responsáveis são os portugueses pelas opções políticas adoptadas, por acção ou omissão. Por acção pela escolha política nas eleições, por exemplo. Por omissão pela opção de não votar e não participar civicamente.
Muitos cidadãos portugueses, depois de votarem, consideram que já cumpriram a sua obrigação e cabe aos políticos decidirem sobre a sua vida. Outros, por sua vez, já decidiram que participar civicamente não altera o statu quo, como tal, se tornam os críticos dos cafés. Este modo de vida diz muito da cultura cidadã dos portugueses e na qual a terceirização da culpa é parte essencial e estrutural da mentalidade portuguesa.
Portanto, o caminho mais fácil é o de apontar um culpado para acomodar as frustrações e a raiva pela estagnação social e económica na sociedade portuguesa. Porque a inimizade política é, presentemente, parte central da vida contemporânea e o imigrante está a ser vítima dessa cultura, com bastante eco nas redes sociais e alimentado pelos partidos radicais de direita.