O PayPal surpreendeu tudo e todos com o anúncio da sua entrada nas criptomoedas. De uma maneira semelhante, a recente subida vertiginosa da Bitcoin para novos níveis históricos também surpreendeu. Será que há uma relação de causa-efeito entre ambos? O que espera o PayPal ganhar com as criptomoedas?

Uma moeda pode ser reserva de valor, mas, mais do que isso, é forma de transferir valor. O crescimento da economia carece sempre da emissão de mais moeda para suportar o volume das transacções em curso.

Ora, a Bitcoin tem sido essencialmente uma reserva de valor, pois não tem sido fácil usá-la no comércio do dia-a-dia. Aliás, a maioria das transacções ainda acontece em numerário (por exemplo, em Portugal entre 60 a 70%, segundo o Banco de Portugal), pelo que dificilmente as criptomoedas poderiam ser alternativa nos dias que correm, pelo menos no Ocidente.

Tudo poderia mudar com a entrada em cena do PayPal no mundo das criptomoedas. Com 20 milhões de empresas no seu ecossistema, o PayPal quer permitir os pagamentos em criptomoeda de um dia para o outro com a mesma facilidade das moedas fiduciárias.

Entretanto, a Bitcoin valorizou, o que significa que aumentou a procura. Será que, com o anúncio do PayPal, os investidores passaram a acreditar que as criptomoedas podem vir a ser utilizadas livremente? Talvez, mas não será o PayPal a contribuir para isso!

Há várias barreiras intransponíveis e o ecossistema do PayPal não é suficiente para as ultrapassar. Uma delas é a desintermediação, pois um passo em falso pode destruir o seu modelo de negócios. Com efeito, se pudermos pagar a um comerciante directamente em criptomoeda, para que precisamos dos serviços do PayPal? Para guardar as nossas próprias criptomoedas? Que mal tem ficarem no nosso telemóvel ou na nossa wallet física protegida?

De facto, se o PayPal permitir que se utilizem wallets para pagamentos instantâneos em criptomoeda, os consumidores poderão passar a pagar sem recurso ao PayPal, e os comerciantes deixarão de lhe pagar qualquer taxa. Então como é que o PayPal evita o risco da desintermediação? Fazendo com que o consumidor pague em criptomoeda, mas nunca directamente ao comerciante.

Será o PayPal a encarrega-se de transformar instantaneamente a criptomoeda em moeda fiduciária de forma totalmente transparente, transferindo-o para o comerciante que assim lhe pagará as taxas do costume. Essencialmente, o PayPal quer ganhar dinheiro na compra e venda de criptomoedas, sem beliscar o seu modelo de pagamentos. Será isto um novo negócio?

Aparentemente não. Empresas como a Revolut o já fazem há mais de dois anos. A grande diferença está no ecossistema de comerciantes associado ao PayPal para activar os pagamentos, coisa que, por exemplo, a Revolut não tem. Enquanto a Revolut obriga à utilização de cartão de débito e não tem nenhum sistema ligado ao POS dos comerciantes (leia-se, à caixa registadora), o PayPal tem, mas essencialmente on-line.

Assim, o PayPal cobrará aos consumidores pelo serviço de compra e venda de criptomoeda, bem como pela custódia da mesma – para além do spread na transformação obrigatória em dinheiro fiduciário no momento da transacção. O PayPal espera que estes serviços venham a gerar 2.000 milhões anuais de USD em 2023. Mas este serviço, para já, só está previsto para os EUA, com intenções de abrir a outras geografias para o ano.

Portanto, a entrada do PayPal nas criptomoedas é tímida porque foca essencialmente a sua compra e venda, interligando-a com o actual sistema de pagamento, sem nada de verdadeiramente novo. Além disso, para ser a sério, a utilização da criptomoeda teria de ser lançada na Venmo – a sua plataforma de pagamentos móveis – e assim atacaria também o comércio off-line, desde que fosse possível implementar QR-codes nos POS dos comerciantes, tal como já acontece no Oriente, especialmente na China.

A entrada nas criptomoedas vai ser bom para o PayPal, mas não obrigatoriamente para os consumidores nem para os comerciantes.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.