A tokenização de activos reais tem estado na ordem do dia. É que a tokenização começou na DeFi (serviços para-financeiros não regulados) e as suas vantagens de eficiência têm tardado a estender-se à economia regulada.

Quando falamos de activos reais, na verdade, estamos a falar de direitos, pois, na nossa economia é isso que conta. Por exemplo, tokenizar um bem imóvel passará sempre pelo direito de propriedade, usufruto ou outro. Ora, o direito é um assunto muito sério e que está na base de tudo o que acontece nos estados que o respeitam. Consequentemente, só se pode falar de tokenização de activos reais na justa medida em que a legislação o permite. Mas afinal, como podemos reconhecer uma tokenização verdadeira e legal?

É que hoje há empresas a anunciar enganosamente na web a oferta de activos reais tokenizados, incluindo activos financeiros. Como a sua oferta não cumpre a regulação local, são ofertas ardilosas e que criam confusão no mercado. Além disso, a diminuição da confiança resultante das pessoas que, mais tarde ou mais cedo, se vão sentir enganadas, criará ineficiências brutais no mercado, as quais vão destruir valor.

Não basta oferecer um token ao mercado. Em particular, todos os token emitidos do lado da economia não-regulada, mesmo que sejam reconhecidos como reserva de valor, não podem representar activos e direitos sujeitos a registo na economia regulada porque a identificação pseudo-anónimos dos detentores desses direitos não é legalmente aceite. Se tal pudesse acontecer, iríamos assistir uma anonimização da identificação das pessoas jurídicas e isso não é admissível em nenhum estado de direito. Consequentemente, a tokenização obriga a uma legislação completa que defina a representação de cada activo, direito e pessoas jurídicas na web3.

Além disso, tudo o que seja usar a web3 como simples repositório de dados dos activos ou direitos no contexto da legislação actual, para além de não ter qualquer interesse, também é estar a enganar os consumidores. É que tokenização pressupõe a auto-execução ecossistémica, sendo o próprio activo a assegurar a lei, incluindo as regras da compliance. Será essa a forma de separar o trigo do joio.

Então, como podemos identificar a tokenização legal de activos e direitos? Em 2025, os únicos activos financeiros tokenizáveis na União Europeia são as acções, as obrigações e os fundos com unidades de participação, e o começo desses serviços só vai acontecer ao longo deste ano, e apenas em poucos países. A única excepção já com três anos é a Alemanha. Porém, é uma tokenização mas sem grande interesse práctico, pois é um processo chamado de agnóstico relativamente à tecnologia, o que quer dizer que a informação dos activos fica à guarda de uma entidade centralizada que usa uma blockchain como se de uma base de dados tradicional se tratasse.

Para além de não ser uma solução que proporcione melhor usabilidade para o consumidor, neste caso, os activos financeiros tokenizados ficam registados exclusivamente no direito alemão, não havendo forma de os utilizar com segurança para que sejam veículos de activos reais fora dessa nação. Além disso, mesmo que a liquidação possa ser eficiente, a lei alemã não permite mercados secundários.

Em suma, qualquer consumidor que queira beneficiar da eficiência da auto-execução ecossistémica na web3, terá de recorrer a serviços financeiros devidamente regulados. Além disso, para que haja um mínimo de segurança nos investimentos, também é preciso que os activos financeiros e os possíveis activos reais dos quais os primeiros possam ser veículo, estejam registados dentro das fronteiras jurídicas desse mesmo espaço.

Em 2025, quando aparecerem os primeiros fornecedores dos três tipos de activos financeiros tokenizados permitidos pelo regime piloto, ou seja, acções, obrigações e fundos com unidades de participação, só os serviços financeiros devidamente licenciados podem ser considerados seguros. As empresas que oferecem este tipo de investimentos dizendo que estão a tokenizar activos reais sem o licenciamento da CMVM em Portugal, ou não sabem o que estão a dizer, ou estão a enganar propositadamente os seus clientes, podendo inclusivamente constituir um caso de polícia. Cuidado com os fariseus no templo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.