Ao longo das últimas semanas, Portugal tem assistido incrédulo ao desenrolar das novelas “BES” e “Operação Marquês”. A política, que deveria ser um lugar de honra e elevação, surge como um antro sem paralelo, de intriga, conspiração, corrupção e promiscuidade.

Uma coisa é falar em surdina de golpes palacianos; outra, bem diferente, é ver um ex-ministro da Economia ter o desplante de apresentar, como prova de direitos adquiridos, uma antiga promessa de reforma feita pelo presidente de um banco, dias antes de tomar posse. Um banco que, por sinal, viria ajudar a destruir, hoje vivo graças apenas ao esforço dos contribuintes portugueses, nos quais fez questão de não se incluir já que optou por receber uma parcela simpática do seu vencimento através de uma offshore.

PS e Governo sempre assobiaram para o lado, invocando calúnia e maledicência. Perante as evidências sentiram a necessidade de vir a terreiro invocar “distanciamento” e “vergonha alheia”. Já diz o ditado que “quem perde a vergonha, não tem mais que perder” e, entre lamentos, lançam campanhas como “45 anos, 45 marcas e 45 rostos” (onde pontifica o ex-primeiro-ministro); ou tentam fazer‐nos esquecer que o atual Governo está pejado de ministros e secretários de Estado do Governo de José Sócrates, ex‐colegas de Manuel Pinho.

A economia é tida pela opinião pública como uma ciência eminentemente associada às finanças e aos negócios. É, porém e antes de mais, uma ciência social, que estuda o comportamento de seres humanos enquanto agentes económicos, que tomam decisões racionais, assentes numa ideia ou conjunto de pressupostos.

Uma dessas teorias, conhecida como a “Tragédia dos (Bens) Comuns”, visa descrever situações em que indivíduos, agindo de forma egoísta, se comportam contra o interesse da comunidade, levando ao esgotamento um recurso comum. Para o efeito, vamos supor que esse bem é o erário público, consumido pelo clientelismo político que o esgota.

O curso de ação racional é quem está no local de comando (o “pastor”) ir acrescentando cada vez mais pessoas (ou animais, na alegoria original) ao banquete. Com o passa do tempo, apesar de todos os “pastores” chegarem à mesma conclusão, i.e., que este comportamento irá conduzir à degradação do “pasto”, a sua resposta, a cada momento, mantém-se, pois o ganho individual é sempre maior que a quota pessoal do custo distribuído que lhe assiste.

Apesar do problema ter solução, esta encontra‐se na moralidade, na educação e nos bons costumes, valores que são transmitidos pela família, em conselhos de anciãos (vulgo senso comum) e através de organismos sociais (como a escola, por exemplo), todas instituições em clara falência.

Este padrão social encontra-se, de resto, ilustrado na obra de Platão, onde o filósofo defende que depois da aristocracia (assente no conhecimento, na filosofia e na reflexão) e passada a fase dos governos timocráticos (estabelecidos com base na ambição e na honra, comandados por guerreiros), surge a oligarquia, fundada na divisão entre ricos e pobres que conspirarão uns contra os outros, seguindo-se, inevitavelmente, duas outras formas degeneradas de governo da “polis”: a democracia e, a pior de todas, a tirania.

Segundo Platão, em democracia, a liberdade tende a imperar de tal modo que pouco de substancial se constrói para a sociedade. Perdem, por isso, os indivíduos aptidão para as artes mais elevadas, sendo os valores propagados a insolência, a anarquia, a prodigalidade e a desfaçatez. Deixam de existir regras fundadas em leis, na autoridade ou na tradição, imperando a excessiva liberdade individual, sem lastro de sabedoria ou virtude.

Ainda que controversa, não deixa de ser extraordinário retirar de um estudo com tantos séculos, observações empíricas tão atuais face à evolução da sociedade contemporânea, desconstruída, sem valores e orientada por políticos que não têm escrúpulos ou um pingo de espírito de missão.

Mas nesta sociedade anárquica e sem valores, ainda há quem tenha coluna vertebral. À pergunta de porque havia abdicado de ser CEO de uma multinacional de sucesso para ir para o governo, outro ex-ministro respondeu: “Há momentos em que sentimos que temos de contribuir para ajudar o País. Haverá maior recompensa que essa?”

São esses que deveremos ter por referência.