É o direito que serve a política, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa a propósito da polémica com o Governo de submeter os diplomas dos apoios sociais ao Tribunal Constitucional em que o executivo contrapõe que lei é lei!

Não é só em Portugal que este tipo de questões se coloca, têm aliás maior amplitude em países como a Alemanha, onde o Fundo de Recuperação, que permite o aumento dos recursos próprios da União Europeia com vista à emissão de 750 mil milhões de euros de dívida comum, foi objeto de um recurso para o Tribunal Constitucional de Kalsruhe, apresentado em nome de 2.200 cidadãos e promovido pelo partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha – AfD.

Isto logo a seguir à aprovação daquele aumento pelo Bundestag e pelo Bundesrat, decisão essa que ficará suspensa até pronúncia pelo Tribunal Constitucional, o que pode levar meses.

Em tempo de eleições existe a tentação muito compreensível para um partido de extrema-direita, que está a ganhar terreno numa Alemanha ainda a braços com o trauma da hiperinflação, que terá criado o ambiente perfeito para a ascensão de Hitler ao poder.

É um argumento utilizado frequentemente para justificar a aversão de Berlim às descidas de juros ou às políticas do Banco Central Europeu (BCE) ou até a sua prudência face a estímulos à economia, mas que é falacioso porque os nazis ascenderam ao poder muito depois deste período e a pobreza profunda do país teve a ver, sobretudo, com a recessão e o desemprego que acompanhou a Grande Depressão.

Os fundamentos para este recurso ao Tribunal Constitucional alemão são variados, mas centram-se substancialmente no facto de que o Fundo de Recuperação interfere com a soberania orçamental do Parlamento alemão, que a União Europeia está obrigada pelos Tratados a apresentar orçamentos equilibrados e que a Comissão Europeia está a utilizar a pandemia para, finalmente, poder endividar o bloco europeu, abrindo caminho à mutualização da dívida.

Já não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional Alemão se pronuncia contra decisões comunitárias, nomeadamente, no caso do programa de compra de títulos de dívida do BCE, lançado em 2015, no valor de 2,6 triliões de euros, por considerar que esta instituição tinha excedido os seus poderes ao tentar elevar a taxa de inflação para perto de 2,0%.

As consequências podem ser desastrosas em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade, designadamente porque poderia haver um atraso considerável no programa, e porque implicaria que os Estados-membros recebessem uma tranche de apoios significativamente mais pequena – Portugal, por exemplo, poderia ter menos 30 a 40 por cento do valor inicialmente previsto.

Caso para dizer que a União Europeia nunca é monótona, sempre de obstáculo em obstáculo, de drama em drama, mas sempre com uma grande capacidade de se superar e de se reinventar.

Esperemos que Portugal e os seus governantes encontrem inspiração para a atual situação nestes exemplos de resiliência e resistência, e que o direito sirva a política e que a lei não deixe de ser a lei!