A Iniciativa Liberal (IL) sempre se considerou como parte integrante de um grupo de novos partidos políticos europeus, de matriz liberal, como o Ciudadanos ou o En Marche, que emergiram nos sistemas políticos europeus, ao longo dos últimos anos. A IL integra, tal como o Ciudadanos, a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa.

Considero que vale a pena – e isso é, em parte, o propósito deste artigo – analisar, de forma comparativa, a evolução dos sistemas políticos espanhol e português. Os Pirenéus constituem muito mais que uma mera barreira geográfica, que separa a Península Ibérica do resto da Europa Ocidental. Representam, também, uma fronteira política, cultural e psicológica.

A Península Ibérica comporta-se, em todas estas áreas, como uma espécie de microcosmos. A Península está algo desfasada dos tempos políticos da Europa Ocidental, mas é forçoso reconhecer que embora dividida em dois Estados desde o século XVI (o Reino de Navarra foi anexado em 1512 e Andorra não conta nesta História), existe uma conjuntura político-histórica unificada no espaço peninsular.

Os dois Estados ibéricos influenciam-se, mutuamente, ao nível da evolução das conjunturas políticas, económicas e culturais. Isto apesar da enorme diferença que os separa em termos de dimensão territorial, demográfica e económica. Olhando apenas para História Contemporânea, veja-se a enorme influência que teve a Constituição de Cádis (1812) na igualmente liberal Constituição Portuguesa de 1822.

A evolução dos respetivos regimes políticos liberais teve muitos pontos de contacto. O “rotativismo” partidário, que marcou a evolução do regime liberal português ao longo da segunda metade do século XIX, não se diferenciou muito do que a historiografia espanhola designou como o “turnismo”.

A historiografia portuguesa considera que a ditadura militar do General Primo de Rivera em Espanha (1923-1930) influenciou fortemente os militares portugueses que provocaram o Golpe de 28 de Maio de 1926 (dando início à Ditadura Militar e ao Estado Novo). O salazarismo veio, depois, a influenciar o regime franquista.

Poucos duvidam que a Revolução de 25 de Abril de 1974 influenciou poderosamente a chamada “Transição Espanhola” e a evolução do atual regime constitucional espanhol (1978), que ocorreu após a morte de Francisco Franco (1975).

Nas últimas décadas, o PP e o PSOE hegemonizaram o sistema partidário e de governo espanhol, da mesma forma que o PSD e o PS o fizeram em Portugal. A diferença esteve apenas, no caso espanhol, na existência de poderosas forças partidárias nacionalistas, na Catalunha e no País Basco, que, ao longo do tempo e sempre que o PSOE e o PP não obtiveram maioria absoluta, influenciaram o poder central.

Mais recentemente, o surgimento do Vox e do Ciudadanos foi, passado pouco tempo, replicado em Portugal pelo CHEGA e pela Iniciativa Liberal. Existe uma evidente semelhança na evolução dos sistemas políticos português e espanhol. Vale a pena, por isso, olhar para o caso da decadência dos liberais espanhóis e ver se o mesmo conjunto de erros está a ser cometido pelos liberais portugueses.

O Ciudadanos significou o regresso, partidariamente autónomo, do liberalismo espanhol aos parlamentos autonómicos e estatal. O partido logrou mesmo ser a força política mais votada nas eleições legislativas catalãs de 2017. Em 2019 elegeu 57 deputados (15,8% dos votos) para o Parlamento espanhol, um resultado que o deixou muito próximo do PP, o grande partido de centro-direita espanhol, que obteve, nessas eleições, 16,6% dos votos do eleitorado espanhol.  A partir daí, o partido entrou em profunda decadência. O que é que aconteceu?

Os dirigentes liberais deslumbraram-se com a oportunidade de superar o PP e tornarem, assim, o Ciudadanos no maior partido de centro-direita espanhol. Isso levou-os a um confronto e a uma competição direta com o PP. Os liberais espanhóis acabaram por perder o confronto político com o PP, um partido dotado de um maior apoio social e de poder territorial. Intuindo a impossibilidade de surgir uma convergência de projetos, o eleitorado espanhol de centro-direita voltou a preferir concentrar votos no único partido que tem dimensão real para vencer os socialistas.

O desastre final dos Ciudadanos ocorreu em 2021, na Comunidade Autónoma de Múrcia, quando o partido apresentou uma moção de censura, em conjunto com o PSOE, para derrubar um Governo que até aí integrava, em conjunto com o PP. A traição murciana destruiu por completo os liberais espanhóis. Nas eleições seguintes, nem sequer conseguiram eleger um único deputado nas regiões nas quais compartiam o Governo Regional com o PP, como Madrid ou a Andaluzia. A partir do caso murciano, deixaram de ser confiáveis para o eleitorado de centro-direita.

No dia 8 de março de 2023, a Iniciativa Liberal protagonizou uma “traição murciana” nos Açores. Sem aviso prévio, no segredo dos bastidores partilhados com os socialistas, a IL rasgou o acordo com o PSD e anunciou que votaria favoravelmente uma moção de censura, a apresentar por socialistas e bloquistas.

Estou convencido de que o eleitorado de centro-direita português não esquecerá a traição que a IL protagonizou nos Açores.