A visita de Catarina Martins ao programa de Cristina Ferreira, na SIC, deve ser vista como a presença de Francisco Louçã no conselho consultivo do Banco de Portugal e no Conselho de Estado da República: o Bloco de Esquerda (BE) está finalmente rendido ao regime.

Os radicais da federação da antiga UDP, do PSR e da Política XXI, que decidiram criar uma chamada nova esquerda para albergar quem não se revia no funcionamento do PCP e do PS, perderam. Alguns deles, como se sabe, já deixaram o partido porque não resistiram ao triunfo da institucionalização que guindou o BE a terceira força portuguesa. Outros, menos conhecidos e relevantes no terreno mediático, preparam-se para sair e vão batendo com os pés no meio da sala. Mas esta, validando as decisões do líder histórico e da coordenadora do presente, está cada vez mais lotada.

O partido dos votos ganhou ao defunto partido do protesto. Vinte anos depois, o Bloco pede aos seus militantes que sigam um velho ditado popular: “olha para o que eu digo e não para o que faço” – e vai entrando, sem réstia de pudor, nos salões do Poder.

Louçã senta-se tanto ao lado de Murteira Nabo e João Talone, para assessorar o dinheiro, como de Cavaco Silva e Adriano Moreira, para aconselhar o Estado. Até na televisão, onde tem cadeira semanal numa estação, já implica muita perspicácia distingui-lo de um outro qualquer comentador do sistema.

E Catarina Martins, cada vez mais popular, também não resiste ao chamamento de Cristina Ferreira, mesmo que tenha de balbuciar uma piedosa desculpa, sobre a trágica violência que vitima as mulheres em Portugal, para acalmar a consciência no momento em que cede e passa a ocupar o espaço de outra forma.

Assinalo a transformação do BE, mas não vejo nada de mal nela. Antes pelo contrário. Há muito que defendo que os partidos só fazem sentido quando querem participar no exercício do Poder. Quando se propõem mudar a realidade. Quando intervêm para alterar a política a partir de dentro.

Não posso ser mais contra as ideias do BE – sobretudo no que respeita ao predomínio absoluto do Estado perante o indivíduo, que se plasma depois em todas as propostas económicas, ou na visão que tem de Portugal versus União Europeia e a NATO –, mas considero que este novo BE é melhor para o país porque participa e usa os seus votos, quando antes agarrava neles para os lançar ao vento no meio de uma gritaria estéril, sem sentido.

As novas estratégias, políticas e de vida pessoal, de Catarina Martins e Francisco Louçã são apenas o emblema destas mudanças.

A única coisa que lamento é que o BE, como o PCP, não tenham outras posições, mais firmes e contrastantes com os interesses instalados, quando o assunto é o combate à corrupção ou a relação da política com a Justiça. Neste campo, há muito a fazer. E sobretudo quem vem de fora (e enquanto ainda está relativamente limpo, porque o tempo também aqui vai alisar as diferenças) deveria promover o contraponto entre o que tem sido prática no país e aquilo que seria desejável para Portugal se afirmar como uma sociedade evoluída. Não basta gritar por uma ‘nova esquerda’, anticapitalista, anti conservadora, socialista, feminista e ecologista que vê o neoliberalismo em todo o lado. Há batalhas que deveriam ser comuns às pessoas de bem, independentemente do posicionamento político e dos ideais de sociedade.

Quando vejo Louçã pronunciar-se contra o juiz Carlos Alexandre por este querer ouvir presencialmente António Costa no âmbito do processo de investigação ao caso-Tancos, começo a perceber que, infelizmente, não é isso que vem aí. Tal como no passado, a política acha que vive num país à parte. E todos querem manter a redoma. Que, no entanto, é de vidro.