Tratei de poder votar antecipadamente. Acesso imediato à plataforma do MAI, indicação do Concelho escolhido e resposta rápida por SMS e e-mail. Na véspera do dia do voto, novo SMS confirmativo com indicação da assembleia de voto. Tudo antecipava uma votação rápida e tranquila. Só que não. Mal me aproximei do local da votação, uma escola secundária, a fila compacta dos eleitores torneava o quarteirão. Nem todos devidamente afastados e alguns sem máscaras. A demora prevista apontava para duas horas.
Em todas as eleições anteriores (desde 1976 não falhei uma) nunca demorei mais do que 15 minutos para votar. Optei assim por regressar a meio da tarde. A fila tinha aumentado. Nova tentativa já perto das 19 horas. Igual de gente aguardando no passeio. Gabo o civismo dos portugueses. Mas, podendo votar no próximo domingo assim farei. Constatei depois que na generalidade dos concelhos as demoras foram idênticas ou piores o que gerou críticas generalizadas.
O caso serve para registar dois aspectos:
- a) a solução do voto antecipado agora consagrada, que no seu modelo teórico merece aplauso, deveria ter acautelado a sua exequibilidade para não cair na trapalhada em que se transformou, promovendo práticas totalmente opostas às que se pretendiam evitar, como os ajuntamentos, e convidativa da desistência de muitos portugueses (que não saberão sequer que podem votar no domingo 24 de Janeiro);
- b) mas, em boa verdade, não se entende porque não se avançou desde já para o voto por correspondência de forma generalizada ou mesmo, com outras exigências, para o voto “online”. Certamente porque haveria que rever a Constituição (art.º 121º nº 3). Mas não haveria tempo, já que consenso parece haver, estando nós em pandemia há quase um ano?
No momento em que nos EUA, fortemente golpeados pela pandemia, se colocou em funcionamento, com total sucesso, um gigantesco procedimento de votação por correspondência, onde cerca de 60% do total dos 150 milhões de votos o foram nessa modalidade, com Estados em que essa percentagem atingiu 85%, faria sentido a adopção dessa solução para as nossas presidenciais.
O voto presencial é ainda um resquício cultural vindo do século XIX, muito ligado à afirmação do sufrágio universal. E a verdade é que continuará a ser a melhor exemplificação da festa cívica da democracia representativa. Mas haverá que reconhecer que os tempos mudaram. Nada como aproveitar os inconvenientes da pandemia e a ineficácia das soluções agora improvisadas, para pôr em prática mecanismos que facilitem verdadeiramente o exercício do direito de voto.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.