Recep Tayyip Erdogan, Presidente incumbente e recandidato, justificou a antecipação das eleições presidenciais e legislativas para este domingo com a urgência de implementar um novo “sistema executivo” que enfrente a instabilidade vinda da Síria –isto é, o reforço dos poderes presidenciais à custa do parlamento, decorrente das alterações constitucionais aprovadas no ano passado em referendo renhido.
A par de concentrar poder, Erdogan pretende evitar que o plebiscito ocorra num período de dificuldade económica que já se antevê na inflação, no défice e na desvalorização da lira. O investimento directo estrangeiro caiu para valores de 2010 não apenas por razões económicas, mas como consequência do estado de emergência em vigor desde o golpe de Estado falhado de 2016 e da retórica anti-ocidental de Erdogan.
Embora atribua as dificuldades da economia a urdiduras de “potências estrangeiras”, o Presidente não parece ter soluções viáveis, limitando-se reivindicar um papel mais interventivo e a alimentar um discurso de vitimização que vai ao encontro da onda de nacionalismo sustentada pelo seu eleitorado. A economia será um tema central no plebiscito uma vez que o impressionante crescimento do passado explica em parte os 15 anos de Erdogan no poder.
O carisma e habilidade de Erdogan não evitaram a divisão do país ao meio, como demonstrado pelo referendo de 2017. Dessa divisão surgiu o partido Iyi, de Meral Aksener, antiga Ministra do Interior e ex-militante do partido conservador MHP, agora coligado com o AKP de Erdogan. Opositora ao status quo, Aksener promete liberalização económica e reverter a deriva autoritária do Estado. Goza de apoio do eleitorado jovem e urbano, mas está por saber a sua implementação fora das grandes cidades, onde o AKP é quase hegemónico.
De resto, o escrutínio dos resultados terá uma importância acrescida. A lei eleitoral, revista este ano sob polémica, contempla medidas que afectam a lisura do processo, logo a percepção pública de transparência será crucial para aferir a estabilidade social e política a prazo. Se Erdogan for reeleito e a coligação que envolve AKP, MHP e o também nacionalista e conservador BBP obtiver a maioria no Parlamento, o país permanecerá na senda de um regime à imagem do Presidente.
A consolidação de poder favorecerá a redução de purgas no aparelho de Estado e de ataques a liberdades individuais e de imprensa, embora não devam desaparecer por completo, pois uma vitória nas duas frentes aumentará a clivagem política no país. Na economia, o papel interventivo do Estado dissuadirá investimento estrangeiro e promoverá uma cultura de menor equidade nos negócios.
Outro resultado eleitoral criará um contexto inédito. O certo é que Erdogan estará no centro da vida política: ou reforça a sua estratégia, ou tentam desmantelar o seu legado, ou ainda, no caso de presidência e parlamento de tendências distintas, forças de reforço e desmantelamento em competição contínua e tensa. A prazo, a normalização da Turquia será uma ilusão.