Antes desta guerra começar, era difícil distinguir os líderes europeus entre si, uma massa tecnocrata amorfa que vacila sob o peso de lóbis, num mundo ditado pelo mercado financeiro. Não é que falte visão na Europa, ela existe, mas muitas vezes não há coragem para a concretizar e opta-se pela passividade.
Ao ouvirmos o discurso do Estado da Nação, que decorreu esta semana, proferido pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tivemos uma inequívoca demonstração de uma liderança forte que diz, com clareza e firmeza, aquilo que todos os cidadãos europeus precisam de ouvir neste momento. A invasão russa da Ucrânia foi o ponto de viragem que despertou a União Europeia (UE) da sua letargia e pô-la, finalmente, a relançar reformas há muito adiadas.
Von der Leyen foi clara nas suas metas ambiciosas e na forma como traçou o cenário presente. A Europa está em guerra e solidária com a Ucrânia. A União irá continuar a ser uma União, e já provou ser rápida a reagir tanto na ajuda financeira e na aplicação de sanções à Rússia, como no acolhimento de refugiados. Instou ainda a Europa a iniciar rapidamente a transição para um novo modelo energético, sendo anunciada a criação de um banco europeu de hidrogénio com um investimento de três mil milhões de euros.
Chegou a um tal ponto que von der Leyen enumerou temas cruciais que têm sido cuidadosamente evitados por Lisboa, como a tributação dos lucros excessivos das empresas do setor energético ou o tabelamento de preços.
Se há algo a concluir da generalidade deste discurso é que as medidas recentemente anunciadas pelo Governo português refletem um estado de medo e retração difíceis de explicar, ainda mais quando é Bruxelas a apontar o caminho aos Estados-membros e a exortar ao planeamento de um novo modelo de desenvolvimento.
E não se pode dizer que não se aprendeu com os erros do passado, pois von der Leyen aparenta assegurar alguma flexibilidade a cada Estado-membro, num continente que se move a velocidades diferentes de transição.
Numa outra nota, não menos importante, o discurso reconheceu a campanha de desinformação que tem sido disseminada por autocratas estrangeiros, com entidades estrangeiras a financiar institutos que minam os valores democráticos. Ainda esta semana foi noticiado que a Rússia terá feito pagamentos no valor de 300 milhões de dólares a partidos, candidatos e políticos em dezenas de países desde 2014, e planeia continuar a transferir milhões todos os anos.
A Europa está em guerra e seria vital que fossem revelados os nomes dessas entidades a receber financiamento direto para propaganda russa. Embora não tivesse sido por falta de aviso, a UE está agora bem mais desperta para o perigo que isto representa para todas as democracias. Antes tarde do que nunca. Todavia, tem sido manifesta a incapacidade desta Europa em lidar com as constantes violações do Estado de Direito por parte de Estados-membros liderados por aliados de Putin infiltrados na UE.
Não há milagres nem ilusões. O inverno está a chegar e, com ele, virá um tempo de desafios extraordinários. O discurso do Estado da União Europeia foi claro nesse aspeto, mas o Governo português ainda está preso a uma visão de curto prazo, sem vontade de acompanhar as grandes reformas que precisamos de começar a implementar.