Escrevi aqui, em 19 de Março de 2018, que “a Europa, numa deriva política de extrema-direita, vai fazer implodir a actual Europa, que se arrasta, titubeante e sem projecto a todos os níveis: humano, político, económico e social. Para escapar a este drama tem a Europa de pensar numa refundação em novos moldes e objectivos. Não é com pequenos arranjinhos políticos que se ultrapassa esta grave situação de deriva”.

Intitulei o artigo “Armas novas… que esta Europa tende a desaparecer”. Ora, em quase todas as áreas de decisão importantes da União Europeia, a deriva, a hesitação, o arrastamento de decisões, o conflito de ideias e de interesses tornou-se uma marca comportamental.

Com a Covid-19, houve um curto interregno nas hesitações, apesar de não isento de conflitos e ratoeiras na aplicação. Refiro-me à contratualização da compra das vacinas em comum e aos financiamentos (a fundo perdido e empréstimos) da União Europeia para apoio ao relançamento das economias dos países membros em resultado dos efeitos nefastos da Covid.

Em Portugal, estes fundos, que estão na origem do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), são conhecidos como os dinheiros da “bazuca”, como o primeiro-ministro António Costa os denominou. Mas estes montantes, em volume, deixaram muito a desejar, quando comparados com os atribuídos pelos EUA ou pela Alemanha a idênticas finalidades, já não referindo o tempo que levou a aprovar e a torná-los operacionais e o prazo curto da sua aplicação pelos países, o que tende à formulação deficiente de projectos e estratégias de desenvolvimento.

A União Europeia (UE) arrasta demasiado a tomada de decisões e quase sempre quando tem de as fazer, as reuniões prolongam-se até altas horas da noite, para depois decidir um “quase nada”, um amontoado na maioria das vezes de comunicações muito vagas.

A deriva na política energética

1. De momento, deve ser difícil encontrar um tema como a Energia que reflicta melhor o formato típico de decisão da UE.

Os preços da electricidade na Europa (e no Mundo) têm vindo a subir em flecha. Notícia péssima para a transição climática, empresas e bolso das famílias.

Alguns países, tentando avançar na linha da cooperação encetada pela UE na resposta à Covid-19 e às medidas “desencontradas e desarticuladas” que os vários países estavam a tomar para atacar a subida de preços propuseram a compra conjunta de gás. Mas outros, capitaneados pela Alemanha, opuseram-se afirmando que se tratava de um fenómeno temporário e, por isso, não tinha cabimento tal acção. Outros ainda, como França e Espanha, avançaram com a revisão do funcionamento do mercado europeu da formação de preços da energia por grosso.

A Comissária Europeia para a energia Kadri Simson contraria esta ideia dizendo que “alterar o modelo actual traz riscos para a previsibilidade do mercado, para a competitividade e para a nossa transição para a energia limpa”.

De forma simplificada, o modelo de funcionamento do mercado europeu de energia regula os seus preços pelos da unidade menos competitiva. A título de exemplo, a França produz o megawatt da electricidade à volta de 40 euros (via energia nuclear) e o preço marginal na Alemanha é de 100 euros. Nada justifica que a França ou qualquer outro país do sistema tenha de cobrar este custo marginal da Alemanha. Mas é o que vigora.

Não é preciso um raciocínio muito profundo para se questionar a “bondade” deste modelo de funcionamento (e a quem beneficia) e concluir que é um tema a merecer amplo debate e a exigir uma solução equilibradora. Como funciona, o modelo é um completo absurdo.

O mercado dos preços europeu é talvez aquele tema que na área da Energia, a par da nuclear, mais rupturas e controvérsia levanta entre os Estados-membros.

Os grandes desafios da energia nuclear na Europa

2. Os países europeus alinham segundo três variantes: os defensores da energia nuclear com a França em primeira linha; os países contra este tipo de energia com a Alemanha a liderar, e um terceiro grupo com posição de prudência onde se destaca a Itália.

França é uma grande potência mundial neste domínio, quer pela elevada capacidade de produção instalada (cerca de 75% da electricidade tem esta fonte), quer pelo domínio tecnológico, sendo que já se encontra na quarta geração, agora muito apostada nos SMR – pequenos reactores nucleares, onde espera que as startups e PME apostem fortemente.

O Presidente Macron tem como uma das linhas da sua campanha presidencial o desenvolvimento da energia nuclear nas suas diferentes configurações, diremos pesada e ligeira, e apostou investir nos SMR cerca de mil milhões de euros até 2030. A EDF, por seu lado, vai avançar com centrais nucleares de grande dimensão.

Mas a França não enjeita uma grande aposta nas energias renováveis e está a posicionar-se para ter um papel relevante no hidrogénio a nível mundial.

A grande luta de França é conseguir que, na União, a energia nuclear venha a ser considerada energia verde. Por outro lado, parece haver grandes avanços no domínio dos resíduos nucleares, o problema fulcral desta fileira.

A França é acompanhada por um grupo de países europeus, com alguns prestes a lançar investimentos de centrais nucleares como a Finlândia, onde até o partido dos verdes aceita de algum modo o investimento.

É evidente que, a nível de cada país, o ambiente é também de prós e contras. Em França, essa situação é muito premente, embora os estudos de opinião mostrem que a população é maioritariamente favorável à energia nuclear.

Controvérsia no financiamento

3. Há uma certa radicalidade no seio da UE sobre esta problemática, sobretudo há quem defenda nem um “tostão” de financiamento da União para a energia nuclear.

Havendo um projecto mundial ITER sediado em território europeu, mais concretamente no sul de França para a investigação da fusão nuclear (dois processos na produção de energia: fissão e fusão, sendo a primeira a mais dominada tecnicamente, mas sendo a fusão a mais segura quando vier a ser dominada), não será de afectar financiamentos pelo menos para já à investigação? Há medo dos resultados?

Parece-nos esta divisão radical pouco prudente e proibitiva de avanços. Comanda esta posição a Alemanha com Portugal e outros países como parceiros.

Em conclusão, a União Europeia para avançar com a sua consolidação e projecção mundial de primeiro plano tem de romper com “este tédio titubeante” e desunião latente e permanente. E nas grandes e pequenas questões tomar decisões bem assentes e rápidas. É fundamental encontrar caminho próprio e não se colocar permanentemente sob o chapéu dos EUA, nomeadamente em política internacional.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.