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A única moção de censura e as duas moções de rejeição que derrubaram governos

No dia em que é debatida e votada a moção de censura apresentada pelo CDS-PP, visando o Governo do PS, o Jornal Económico recorda as histórias de três moções (uma de censura e duas de rejeição) que fizeram cair governos liderados por Cavaco Silva, Nobre da Costa e Passos Coelho.
20 Fevereiro 2019, 07h48

O hara-kiri do PRD e a génese do cavaquismo absoluto

No dia 3 de abril de 1987, pela primeira e única vez na História da III República Portuguesa (pós-25 de abril de 1974), foi aprovada uma moção de censura na Assembleia da República, derrubando o Governo em funções. Não foi propriamente uma grande surpresa, na medida em que o X Governo Constitucional, liderado pelo primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, do Partido Social-Democrata (PSD), era minoritário e enfrentava uma constante guerrilha parlamentar da oposição, na qual se destacavam o Partido Socialista (PS) e o Partido Renovador Democrático (PRD).

O PSD de Cavaco Silva tinha 88 deputados eleitos, ao passo que o PS de Vítor Constâncio tinha 57 deputados e o PRD de Hermínio Martinho tinha 45 deputados. As outras duas bancadas parlamentares eram constituídas pela Aliança Povo Unido (APU), com 38 deputados, e pelo Centro Democrático Social (CDS), com 22 deputados. O PRD era liderado por Martinho, mas tinha sido criado dois anos antes com o patrocínio do general António Ramalho Eanes, 16º Presidente da República entre 1976 e 1986.

Apesar de ser a terceira força política na Assembleia da República, com menos deputados do que o PS, foi o PRD que avançou com a moção de censura ao Governo de Cavaco Silva. Motivo? A visita de uma delegação de deputados à então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), com uma passagem muito controversa pela Estónia. O Estado português não reconhecia a anexação dos países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) pela URSS. O Governo de Cavaco Silva criticou severamente e desautorizou a Assembleia da República e o respetivo presidente, Fernando Amaral, do PSD. O conflito parlamentar agudizou-se, desembocando na moção de censura apresentada pelo PRD.

A moção seria aprovada com os votos a favor do PS, PRD e APU, ao passo que o PSD e o CDS votaram contra. Seguiu-se a tentativa de formação de um novo Governo de coligação entre o PS e o PRD, solução proposta por Constâncio ao então Presidente da República, Mário Soares (antecessor de Constâncio na liderança do PS). No entanto, Soares recusou essa hipótese e decidiu dissolver a Assembleia da República, convocando novas eleições legislativas para o dia 19 de julho de 1987.

Viria a revelar-se o momento mais determinante da carreira política de Cavaco Silva: nessas eleições, o PSD conquistou uma maioria absoluta de 148 deputados (50,2% dos votos), algo inédito na III República Portuguesa e que seria replicado em 1991. Cavaco Silva permaneceu assim no cargo de primeiro-ministro ao longo de uma década. Em contraste com o PRD que, arcando com o ónus da moção de censura, passou de 45 para apenas sete deputados eleitos nas legislativas de 1987 e acabou por definhar abruptamente até à sua dissolução na viragem de século.

 

A guerra aberta entre Soares e Eanes

O III Governo Constitucional, liderado pelo primeiro-ministro Alfredo Nobre da Costa, durou apenas 86 dias, entre os dias 29 de agosto e 22 de novembro de 1978. Foi constituído por iniciativa do então Presidente da República, Ramalho Eanes, após ter demitido o anterior Governo, chefiado por Mário Soares, do PS. Para essa demissão contribuiu decisivamente o CDS de Diogo Freitas do Amaral que retirou o apoio ao PS, com o qual mantinha um acordo de incidência parlamentar que sustentava o Governo de Soares.

E foi precisamente o PS que apresentou uma moção de rejeição do programa do recém-empossado Governo de Nobre da Costa. “O problema é estritamente político, o debate desde o primeiro dia mostrou a insanável incongruência deste Governo e também o pecado original da sua formação, ao arrepio do disposto na Constituição da República. Os ministros apresentaram-se a esta câmara na defensiva, como a pedirem desculpa por aqui estar, com alguma razão o fizeram já que só se representam a si próprios, visto que nunca foram sufragados pelo poder popular”, declarou Soares na Assembleia da República, a 14 de setembro de 1978, dia em que foi debatida e votada a moção de rejeição. Soares estava em guerra aberta com Eanes

A moção seria aprovada com os votos a favor do PS, CDS, União Democrática Popular (UDP) e vários deputados independentes. Na sequência da rejeição do programa do Governo, Nobre da Costa apresentou a demissão. Eanes avançou então para um novo Governo constituído por sua iniciativa, o IV Governo Constitucional que tomou posse no dia 22 de novembro de 1978, chefiado por Carlos Mota Pinto.

Após a revisão constitucional de 1982, não voltou a assistir-se à formação de governos de iniciativa presidencial. Continua a ser uma iniciativa possível, dentro do perímetro dos poderes presidenciais. A partir de 1982, porém, o Governo deixou de depender politicamente do Presidente da República, passando a depender da Assembleia da República, pelo que tal iniciativa dificilmente voltará a ser viável.

 

A queda do muro que delimitava o arco da governação

Se o Governo de Nobre da Costa resistiu apenas 86 dias, o segundo Governo de Pedro Passos Coelho foi ainda mais breve, tendo durado apenas 27 dias. Destaca-se mesmo como o Governo mais efémero da III República Portuguesa. A coligação PSD/CDS-PP venceu as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, mas perdeu a maioria absoluta que detinha desde 2011 (passou de 132 para 107 deputados).

Assistiu-se então a um momento histórico na democracia portuguesa: o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) acordaram a viabilização de um novo Governo do PS, aliando-se para derrubar o Governo de coligação PSD/CDS-PP, indigitado no dia 22 de outubro pelo então Presidente da República, Cavaco Silva.

No dia 30 de outubro, o segundo Governo de Passos Coelho tomou posse, no Palácio da Ajuda. Seguiu-se, no dia 6 de novembro, a entrega do programa do Governo na Assembleia da República. O debate sobre o programa realizou-se nos dias 9 e 10 de novembro e culminou na votação de uma moção de rejeição apresentada pelo PS. Importa salientar que o BE, o PCP e o PEV também apresentaram moções de rejeição do programa do Governo, mas não chegaram a ser votadas, pois a primeira do PS foi desde logo aprovada.

Votaram a favor 123 deputados (PS, BE, PCP, PEV e PAN), superando os 107 votos a favor da coligação PSD/CDS-PP. O Governo de Passos Coelho ainda se manteve em gestão corrente até à tomada de posse do XXI Governo Constitucional, liderado pelo PS de António Costa, a 26 de novembro de 2015. O mesmo que agora enfrenta a segunda moção de censura lançada pelo CDS-PP de Assunção Cristas na presente legislatura.

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