Existe nesta altura uma centralizada perceção dos efeitos complexos a nível económico que as medidas de confinamento trouxeram, os quais poderão manter-se durante os próximos trimestres.

A realidade quotidiana de muitas empresas e famílias mudou de um dia para outro, gerando no mundo perdas de postos de trabalho significativas nas principais economias desenvolvidas, trazendo memórias muito antigas relacionadas com degradação social e fome. A ausência dos programas de apoios financeiros e fiscais, adotados em resposta ao lockdown pandémico, teria sem dúvida resultado num cenário bastante mais adverso e socialmente desastroso.

Será, contudo, enganador considerar este tipo de apoios como estímulos tradicionais, uma vez que, na prática, estando as economias encerradas, estes têm servido essencialmente como uma espécie de seguro de compensação para evitar que as famílias e as empresas entrem em colapso económico-financeiro.

No fundo, têm servido para manter a sociedade “ligada à máquina” e assim evitar problemas de disrupção social adicionais. Na Europa, estes apoios chegaram mais tarde que noutras regiões, mas deverão estar implementados a tempo de evitar uma severa degradação do emprego e da atividade.

Contudo, as cicatrizes que estes apoios à economia podem deixar em alguns países, como Portugal – resultado de uma Europa desigual e em diferentes realidades no que diz respeito aos equilíbrios fiscais, e sobretudo no que diz respeito ao nível de endividamento – são de enorme sensibilidade e podem gerar, mais à frente no caminho, um enorme obstáculo geracional que exigirá um pacto dos principais decisores e atores políticos nacionais.

As fragilidades económicas portuguesas são de essência estrutural, e apesar dos apoios significativos que a Europa desenhou terem ultrapassado novas linhas antes consideradas “tabu” (sobretudo pela componente parcial de fundo perdido), será complicado evitar um aumento relevante do montante nominal do endividamento público, agravado em peso pela expectável erosão do PIB estrutural derivado de sectores onde o comportamento dos consumidores pode não voltar, tão cedo, aos níveis anteriores à pandemia – caso do Turismo e das viagens aéreas (que equivalem cerca de 16,5% da economia portuguesa, de acordo com a World Tourism and Travel Council).

Mesmo depois de terminarem os incentivos e apoios, poderá ser difícil inverter esta dinâmica de endividamento logo de imediato, tornando complexa uma situação que é atualmente ainda muito débil para Portugal. Eis porque urge responder rapidamente ao ciclo pós-pandemia com um projeto de reformas estruturais, que permitam a Portugal transformar o tecido económico e empresarial de forma estrutural, que contenha a erosão da atividade proveniente de sectores cíclicos – e que podem, alguns deles, estar em risco estrutural, como é o caso do sector automóvel –, conjugado com um plano meticuloso e disciplinado de controlo das contas públicas e endividamento público nacional.

Na verdade, muitas das medidas estão há muito identificadas pela OCDE e por vários especialistas e economistas desde a intervenção da troika, em 2011. O que tem faltado é a resiliência e determinação para avançar no sentido certo, muitas vezes em favor da agenda política do momento.

A Europa, essa, tem mostrado que estará lá, mas sobretudo quando é difícil para as economias mais relevantes. A Portugal cabe-lhe saber desconfinar da hibernação reformista em que se deixou enlear nos últimos anos, numa ilusória ausência de austeridade, e ser determinado e implacável a preparar-se para os desafios que vão surgir, sobretudo quando se tornarem visíveis os custos associados aos últimos meses.