A Europa encontra-se perante uma encruzilhada histórica: simultaneamente consciente do seu legado científico e cultural, mas frequentemente incapaz de acompanhar a velocidade transformadora de tecnologias que estão a reconfigurar o mundo. A inteligência artificial tornou-se o motor central deste processo. Contudo, o discurso europeu permanece excessivamente preocupado com riscos, regulações e precauções, enquanto outras regiões – Estados Unidos e China – assumem a liderança no desenvolvimento e aplicação prática dessa tecnologia.

A questão não é rejeitar a regulamentação, que é essencial. O problema reside num modelo mental que reduz a IA a um objeto a ser controlado, quando, na verdade, ela deve ser incorporada como infraestrutura cognitiva das sociedades contemporâneas. Não se trata apenas de usar algoritmos, mas de pensar com e através deles, integrando capacidades técnicas, lógicas e estratégicas para gerar soluções em contextos complexos.

A dimensão mais perturbadora deste processo é que a China já começou a incorporar inteligência artificial no ensino primário, não como curiosidade tecnológica, mas como competência civilizacional necessária. Crianças de dez ou onze anos aprendem a programar modelos básicos, a operar assistentes algorítmicos e a utilizar sistemas inteligentes para resolver problemas matemáticos, linguísticos e científicos. O estudante chinês do futuro não será apenas utilizador de IA – será coprodutor de soluções, habituado desde cedo a colaborar com máquinas para pensar, decidir e inovar. Enquanto isso, a Europa discute se deve ou não permitir o acesso escolar a chatbots, como se fosse possível controlar o tempo histórico através de regulamentos. A consequência é óbvia: a próxima geração chinesa terá competências cognitivas que a Europa ainda nem começou a ensinar.

A história oferece um aviso eloquente. A China do século XV possuía a maior frota naval do mundo e capacidade técnica para explorar o planeta, mas por decisão política e visão estratégica limitada, encerrou a era das expedições marítimas de Zheng He. A omissão abriu caminho para que as potências europeias navegassem, colonizassem e definissem a modernidade. Um império capaz de liderar o mundo abdicou do futuro por uma escolha aparentemente racional, mas fatal.

A IA é o novo oceano. A Europa corre o risco de repetir, em sentido inverso, o erro chinês: abdicar do protagonismo por excesso de cautela, permitindo que outros escrevam as regras, dominem os mercados e moldem as identidades cognitivas das próximas gerações.

A Europa ainda pode liderar, mas terá de deixar de debater o passado e começar a negociar o futuro, antes que a distância cognitiva se torne irreversível. Porque, tal como na China imperial, o custo de uma decisão equivocada só é percebido quando já é demasiado tarde para recuperar o mundo que se deixou escapar.