Uma semana passada entre horas de condução na companhia da BBC e muitas conversas com britânicos de diferentes origens sociais e políticas, dão-me a noção muito clara do ponto a que chegou a Europa.

Ouvir os debates parlamentares, em que May defende o Brexit sendo uma “remainer”, em que os que queriam sair preferem ficar, em que a maioria já defendeu tudo e o seu contrário, é a tradução do caos que se instalou. Coincidência ou não, não encontrei um único britânico que queira sair, embora alguns tenham votado nesse sentido. A explicação deste fenómeno varia entre o voto de protesto e a eficácia demagógica dos que agora fogem de fininho.

Curiosamente, pode dizer-se que hoje a esmagadora maioria dos britânicos votaria para ficar, mantendo, ainda assim, todas as críticas em relação à União Europeia. É este ponto que nos deve fazer reflectir a todos – a Europa deveria ser um espaço de esperança, não uma fatalidade.

A Europa, mesmo quando governada ao centro, deixou-se tomar pelos piores tiques da esquerda. O excesso de regulamentação, a intervenção permanente em atropelamento dos hábitos e costumes dos diferentes povos da Europa, a repressão da identidade espiritual maioritária e fundacional, a cedência permanente à pressão da agenda jacobina de desconstrução social, afastou dramaticamente a Europa dos europeus. Este afastamento é, afinal, a soma dos afastamentos dos diferentes sistemas nacionais na sua relação com os diferentes eleitorados.

Houve um tempo em que Jean-Marie Le Pen servia de papão na sua cruzada de exaltação e ressurreição de um chauvinismo eventualmente latente na genética gaulesa. Foi uma caricatura que o tempo datou e o eleitorado esgotou, não era a resposta ao mal-estar que então se instalava. Ainda assim, abriu um caminho novo e deixou exposto o esgotamento de uma parte da sociedade com o sistema.

Na nova geração de lideranças populistas, Marine Le Pen, Viktor Orban, Matteo Salvini, Heinz-Christian Strache, Katrin Ebner-Steiner e Santiago Abascal começam a ter claramente a sua corrente legitimada transnacionalmente e um papel no futuro da Europa. Menorizar, ou pior, reprimir este fenómeno partindo dos mesmíssimos pressupostoas que o criaram, é o maior erro que a Europa pode fazer. Este é, claramente, um movimento político reactivo, surge para dar respostas que os outros não souberam encontrar e preencher um espaço que o sistema deixou em aberto.

Sim, os pais do populismo são todos aqueles que impõem uma higienização uniformizadora de esquerda contra a vontade, o carácter, a tradição e a liberdade dos diferentes povos europeus. A ânsia esquerdista de formatar o homem novo afirmou-se de modo autoritário na Europa, numa dualidade perversa em que a direita se deixou enredar sem remédio.

Num pacto tácito com as piores consequências, a direita ficou encarregada da macro-economia e a esquerda com o campo aberto para a ditadura cultural e de costumes. A direita garante os salários e a criação de riqueza, a esquerda decide o que fazer com eles. A direita perdeu a iniciativa política, renunciou com medo ao seu tronco identitário, perdeu o seu espaço enquanto opção ideológia e bastião de defesa de valores perenes.

O conservadorismo humanista passou a ser uma quase diletância de alguns vencidos ante os pragmáticos do exercício do poder pelo poder, que se apressaram a esconder a doutrina numa gaveta fechada à chave.

Todo este exercício de renúncia irresponsável deixou o campo político aberto à ocupação ideológica da esquerda. A esquerda, principalmente a jacobina e a marxista, tem uma ambição de domínio social e cultural que permanece no tempo e se impõe em todas as épocas desde a génese de cada uma destas correntes. A ideia de domínio da sociedade futura e da formatação do homem novo persiste, insinua-se, faz caminho, impõe-se a cada aberta.

Ao contrário, a direita tem-se feito de renúncia e acomodação, assumindo o tempo novo da esquerda como inevitável e caindo repetidamente no engodo de o ver como assumido e estabilizado. Por cá, é sintomático registar as idas de Marcelo à festa do Avante, a preocupação de Maria Cavaco Silva em se assumir como mulher de esquerda, de Rio fazer exactamente o mesmo, ou de Cristas tentar “pragmatizar” o CDS. Pela Europa fora, repetem-se episódios tão caricatos quanto estes, com a Sra. Merkel à cabeça.

Chegámos a um ponto de absoluto ridículo político, em que a direita democrática, com um capital extraordinário de patrocínio da justiça social, da pluralidade, da diversidade, da liberdade, do desenvolvimento e da civilização, se deixou intimidar pelas forças que nada disto têm e nada disto querem. A resposta dos populismos é o preenchimento deste espaço, é a reacção à ditadura cultural e de costumes da esquerda e à ausência de uma resposta equilibrada mas forte da direita democrática.

Tentar continuar a fingir que que nada se passa, tentar aprofundar a desonesta narrativa em curso que assume a presença da extrema-esquerda como natural e o populismo como o pior dos males, é simplesmente continuar a ir contra o povo. As diferentes esquerdas, na sua presumida superioridade moral, anularam a direita democrática e provocaram o aparecimento dos populismos ditos de direita radical.

O mundo tende a voltar a estar dividido entre extremos. A alternativa só poderá passar pelo regresso da esquerda moderada à social-democracia e da direita democrática ao conservadorismo e à democracia-cristã. Foram estas três correntes que fizeram a Europa grande, só elas podem repetir o feito, apesar do longo e difícil caminho a trilhar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.