No ritual semanal de almoço com os meus pais, estes desabafam comigo as suas reclamações sobre Lisboa, onde vivem há décadas. Gostam de comentar comigo situações do dia a dia que vão observando na cidade.

As suas queixas recorrentes sobre as novas paragens de autocarro ou a acumulação de lixo em certas freguesias, são exatamente aquelas que são partilhadas pela maioria dos munícipes que se fazem ouvir em reuniões da Câmara Municipal de Lisboa.

No último fim de semana, o comentário dos meus pais foi um pouco mais longe: existe a perceção de uma governação conflituosa e atribulada. De um presidente tenso que lança a confusão. Fora da minha bolha altamente politizada, é interessante observar esta perceção de conflito, porque não está longe da realidade.

Sem surpresas, a entrada em ano de eleições autárquicas aumentou significativamente a tensão na vereação de Lisboa.

Por um lado, temos uma máquina de comunicação imparável que produz histórias que os munícipes querem ouvir, mesmo que não correspondam inteiramente à realidade. Por outro, o atual presidente da Câmara tornou-se exímio na arte de fabricar e dar “boas notícias”, mas, se escavarem um pouco, essas notícias muitas vezes revelam uma mão-cheia de ações inconsequentes.

A oposição, por sua vez, gasta grande parte das suas energias na tentativa de desconstruir esta ideia de que a cidade está melhor, sem deixar de denunciar situações gritantes que causam alarme social.

A agravar esta situação, o processo Tutti Frutti desencadeou ondas de choque que levaram à saída de deputados da Assembleia da República, vereadores, presidentes de Juntas de Freguesia, e promete não ficar por aqui. Uma investigação que durou anos e culminou em acusações de corrupção, branqueamento, prevaricação, tráfico de influência, falsificação de documento agravada e de burla qualificada, envolvendo 49 pessoas (pelo menos 29 do PSD e 11 do PS) e 11 entidades.

Não desconsiderando a presunção de inocência a que todos os acusados têm direito, se há algo que este processo vem provar é que as autarquias ainda são terreno fértil para autarcas e entidades que privilegiam interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público.

Ora, são estas perceções de corrupção, que se arrastam ao longo de anos devido a uma justiça lenta, que depois alimentam discursos populistas radicais. O que podemos fazer para mudar esta situação? Começar por votar depois de um aturado escrutínio dos atores políticos nas autarquias.