Tempos estranhos, estes que vivemos. Numa semana em que se discute acerrimamente méritos e deméritos de um despacho instrutório, como que testando ao limite o princípio republicano e democrático de separação de poderes, tem passado despercebido junto da opinião pública um escândalo por omissão executiva e legislativa. O que não deixa de ser curioso quanto o tema das moratórias de crédito tem tudo, porque sistémico e específico da nossa realidade, para ser o assunto mais importante da actualidade nos próximos meses.

Refiro esta questão a propósito da empresa do sector empresarial do Estado, a Parvalorem, que é um centro valioso de competências na resolução de créditos incobráveis e em incumprimento bancário. Uma empresa especialista na esfera pública, nascida da parcela tóxica dos créditos do então BPN.

Recentemente a administração da empresa e os sindicatos outorgaram um Instrumento de Regulação Coletiva de Trabalho (IRCT), integrando a Parvalorem na normalidade jurídica-laboral e resolvendo um problema que se arrastava há anos e que anteriores administrações da empresa não quiseram ou foram capazes de solucionar.

Menos notável é a incapacidade (ou falta de vontade?) do Ministério das Finanças em negociar com a Comissão Europeia a preservação e a continuidade plena da empresa, com a sua missão, competências e dimensão.

Igualmente escandaloso é que à incapacidade política do Executivo se junte a omissão legislativa (e os leitores sabem como, amiúde, tenho aqui elogiado a acção da Assembleia da República e os deputados). Pois que no cumprimento de uma lei iníqua e muito datada, tenha o Ministério do Trabalho solicitado o parecer, no âmbito de um eufemisticamente denominado “plano de reestruturação”, a duas e somente duas centrais sindicais. Uma delas sem qualquer filiado ou associado na Parvalorem. A outra, muito minoritária.

Por isso, têm razão para se indignar a União dos Sindicatos Independentes (USI) – Confederação Sindical e os trabalhadores da empresa. O saber e a experiência da Parvalorem e dos seus trabalhadores são activos estratégicos para Portugal e para o nosso futuro colectivo.

O definhamento da Parvalorem, a prosseguir, é um erro (mais um, a juntar a outros) que iremos todos, enquanto cidadãos e contribuintes, pagar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.