Os dias estão espessos. Por muito que os tentemos normalizar, que nos esforcemos para nos adaptar às novas rotinas, todos já percebemos que, ao contrário de alguma ilusão que existisse no início da crise pandémica, não há a menor ideia de até quando as coisas podem ter de permanecer assim. Pelo contrário, depois de recuos já operados em outros países, nada garante que as coisas não tenham de voltar para trás.

Mas não é sobre os riscos da pandemia que quero elaborar, porque de especialistas sobre o vírus o país parece (afinal) cheio. Gostava de refletir, brevemente, sobre as suas consequências – materiais e humanas. Sem certezas, mas procurando ter os pés no chão.

Do que vou observando na nossa vida económica, não obstante as “almofadas” públicas que foi possível colocar em prática, de que o lay-off foi um importante instrumento (embora fortemente emperrado pela burocracia), há uma parte significativa do tecido económico que está a sofrer de forma irremediável. Há pequenas e médias empresas que se tornaram inviáveis, o desemprego cresce a cada dia. Conta-se com a “bazuca” da ajuda europeia, mas há impactos que esse apoio não vai conseguir atingir ou chegará tarde, porque o calendário de desembolsos será sempre lento. Acresce que, sendo esta uma crise global, logo relativamente “simétrica”, haverá destinos, que nos últimos anos absorviam a nossa exportação, que deixarão, por algum tempo, de o poder fazer, a acreditar na modéstia das taxas de crescimento anunciadas. E, como já se está a ver no caso do turismo, mudar de mercados-alvo é uma missão quase impossível, em tempos de crise.

A dimensão social dos impactos económicos da crise pode vir a ser atenuada, a prazo, pelo apoio europeu – e parece ser essa a aposta oficial. Mas é inevitável que, por bastante tempo, se agravem algumas consequências, como o aumento da pobreza e da exclusão, nomeadamente de imigrantes, trazidos pelo surto de turismo e pela agricultura. Por outro lado, é sabido que o desemprego é sempre fonte de uma pequena criminalidade que afeta a perceção de insegurança, induzindo pulsões securitárias, potenciadas por uma comunicação social que faz disso o seu fond de commerce, aproveitadas por forças populistas.

O país reagiu com sensatez à crise, aceitou, em regra, as limitações que a situação impunha, mas foi mostrando progressivo e natural incómodo com o espartilho ao seu quotidiano. Questão é saber se, em caso de ter de haver um recuo na abertura da sociedade, por virtude de um agravamento da situação sanitária, haverá consenso para a adoção de novas medidas restritivas.

As pessoas vivem hoje bastante tensas, os efeitos das medidas de confinamento revelaram-se assimétricos e injustos, há setores em compreensível desespero, em especial por não haver uma perspetiva temporal para a normalização da vida.

Reconstituir alguma esperança coletiva é a tarefa fundamental de quem atua na esfera pública, em que a comunicação social também se insere.