A ocorrência de um episódio de violência é por si só importante e grave. A violência é um tema que habitualmente cativa a atenção das pessoas e por isso merece uma cobertura mediática que por vezes enviesa a dimensão das situações. Ou seja, porque está mais disponível no tempo ou no espaço, nós estimamos a sua probabilidade como maior do que ela realmente é. Não acontece apenas com a violência, mas com todos os acontecimentos à nossa volta.
Se um avião cai, é alvo de muita cobertura mediática, muito mais do que um automóvel quando tem um acidente, o que nos poderia levar a pensar num risco mais elevado quando andamos de avião do que quando andamos de automóvel; ora, os factos esclarecem que é exactamente ao contrário.
Os episódios de violência, principalmente contra as pessoas, são muito noticiados, logo parecem ser muito mais frequentes do que na realidade são, principalmente em Portugal. As estatísticas podem apontar para um baixo número de ocorrências e/ou para a sua redução ao longo do tempo (um facto, como é exemplo a redução dos homicídios em Portugal de 1994 para 2017, em 50%), mas sempre que é noticiado um acontecimento violento sobre pessoas, ele parece-nos algo muito mais presente e frequente.
Outro tipo de mudanças, mais culturais e civilizacionais, também têm certamente a sua influência e podem enviesar em sentido contrário, como vemos na violência doméstica, onde hoje começa a reduzir-se a atitude “entre marido e mulher não se mete a colher” (embora também os dados estatísticos apontem para uma tendência de redução deste fenómeno, apesar de muito longe do desejado e mais uma vez as notícias destes crimes terem aumentado ao longo dos últimos anos).
Isso não significa que não é grave a ocorrência de apenas um só um episódio. É grave e tem consequências muitas vezes duradouras na saúde, física e psicológica. Por isso a prevenção do mesmo é tão importante.
Um dos assuntos que mais recentemente tem sido notícia é a violência sobre profissionais de saúde. Pela sua natureza muito específica, o do acto violento ser perpetrado contra um cuidador no âmbito de serviços públicos, este é um crime que ganha contornos de especial relevância.
Segundo os dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a queixa sobre possíveis crimes desta natureza tem aumentado nos últimos anos e em média quase chega às duas queixas diárias. Esta era uma situação que beneficiaria de uma aposta estratégica e operacional de prevenção. É por isso muito positivo a criação, recentemente anunciada pelo Ministério da Saúde e pela DGS, de um Programa Nacional de Prevenção da Violência no Ciclo de Vida, incluindo um Plano de Acção para a Prevenção da Violência no Sector da Saúde.
Se o Programa se constituir e operacionalizar abrangendo áreas que vão da literacia, aos ambientes dos estabelecimentos de saúde, à liderança e ao atendimento, por exemplo, ao mesmo tempo que intervém rapidamente sobre as situações de violência, não só punitivamente mas também trabalhando desde logo com as vítimas de modo à sua rápida recuperação e assim prevenindo consequências futuras mais graves, então poderemos estar também a dar um passo importante para mudar o paradigma: prevenção e promoção e não só remediação.
Fica a preocupação que o Programa seja dotado dos recursos necessários ao seu funcionamento e efectividade de modo a que (in)acção não ponha em causa os bons planos e ideias. O novo serviço de apoio da linha SNS24 que agora foi apresentado é assim uma óptima notícia pela aposta nos primeiros socorros psicológicos, prestados por psicólogos, essenciais nas primeiras 72 horas após a ocorrência.
Apesar disto, numa reflexão ainda precoce salienta-se a necessidade de uma estratégia de prevenção dos riscos psicossociais e de promoção de locais de trabalho saudáveis, em todo o SNS, mas mais do que isso em toda a Administração Pública, estruturadora da criação de factores de protecção, também no que diz respeito à violência neste contexto, estratégia esta ainda por criar e implementar. Será que é desta?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.