No outro dia, lendo as notícias sobre a recapitalização da CGD, por alguma razão bizarra lembrei-me de quando o meu pai me levava em criança ao Coliseu dos Recreios e eu adorava aquele velho truque de magia, em que o prestidigitador chamava ao palco alguém do público para, de seguida, e perante os olhares espantados da audiência, começar a extrair-lhe moedas do nariz, depois das orelhas e finalmente da boca, enchendo um velho chapéu bem alto. Passados anos, pudemos assistir, um pouco por todo o mundo, à multiplicação dos prestidigitadores desta misteriosa arte, exercendo com garbo e denodado enlevo os seus truques. O nosso país não escapou à moda e encheu-se de pequenos e grandes circos, populares uns, de luxo e exclusivos outros, desde o BPN, passando pelos BPP, BANIF e acabando no BES, sem esquecer o maior e mais cobiçado de todos, a CGD, onde os mágicos lusos sonhavam um dia poder atuar.

Só na CGD, os bilhetes das últimas temporadas de espectáculos, aos quais, aparentemente, ninguém assistiu, vão custar ao público em geral 3.900 milhões de euros. Porém, quando deixamos de ser crédulas crianças e nos tornamos adultos, percebemos – oh espanto dos espantos – que o tal mágico afinal não fazia nascer moedas do espaço etéreo, apenas as transferia de um sítio para outro e, mais ainda, com tal arte o fazia, que ninguém na audiência dava por tal transferência.

Sim, é verdade, às vezes havia mágicos medíocres que perdiam uma quantas moedas na atuação, simplesmente porque eram incompetentes e desajeitados, mas outros eram tão geniais que, no final do espetáculo, as moedas que saíam das orelhas eram menos que as que entravam no chapéu. Esses sim, conseguiam o milagre da volatilização do vil metal! E agora, que vimos desaparecer à frente dos nossos narizes montantes colossais, parece que já ninguém tem genuíno interesse em saber a que chapéu de mágico foram parar.

A sanha da classe política tem-se centrado nos “polícias” dos mercados e, convenhamos, tem seguramente justificação. A todos nos custa ser roubados, mas reconheçamos com alguma humildade que, por mais polícias e bem equipados que estejam, nunca deixará de haver fantásticos prestidigitadores, sempre prontos a iludir-nos com um novo e extraordinário truque. Verdadeiramente surpreendente é quando essa mesma classe política parece não querer preocupar-se com quem foram os reputados mágicos que estiveram em atuação nas últimas temporadas ou averiguar de onde e para onde foram parar tantas moedas.

Quando, recentemente, assistimos à divulgação de informações sobre transferências de montantes colossais para offshores no Panamá, ingenuamente pensei que, agora sim, se preocupariam em identificar as histórias por trás dessas moedas. Que deceção. O clamor político centra-se antes nas possíveis falhas das autoridades tributárias, que reconheço uma causa também válida, mas estranhamente ninguém parece preocupar-se tanto com os mágicos, os verdadeiros autores dessas transferências. Afinal, a quem interessa a alquimia volatilizadora de moedas?