Na luta pela própria sobrevivência, as oligarquias decadentes recorrem sempre à repressão de liberdades e à distracção da opinião pública. Reprimem as liberdades para controlar a dissidência de opiniões, para desincentivar o pensamento livre, para destruir lealdades e iniciativas dos seus cidadãos e, em suma, para semear apatia e desmoralização.
Esta desmoralização é a garantia de que os cidadãos esquecem aquilo que os une, deixam de acreditar na sua força e desistem facilmente de lutar por grandes propósitos colectivos, desimpedindo o caminho para que as elites políticas e económicas instaladas continuem a dominar os destinos das suas nações.
Não é de admirar, assim sendo, que alguma classe dirigente tenha sentido algum mal-estar na sequência do eloquente discurso proferido pelo vice-presidente dos EUA J.D. Vance, na Conferência de Segurança de Munique. Este discurso pode ser sentido como um marco histórico nas relações transatlânticas, pela forma como a Administração Trump, com o seu novo ímpeto realista na política externa, vem alertar o establishment europeu para o perigo de uma existência vazia de valores e com fraca consciência da sua razão de ser no mundo.
Como seria de esperar, um discurso deste teor dividiu fortemente as reacções. Por um lado, animou aqueles que sentem que a Europa ainda pode recuperar o amor-próprio e preservar aquilo que levou séculos a erguer. Por outro, intimidou os burocratas que diluem a identidade dos europeus, que fazem grosseira engenharia social com as famílias e que anulam a vontade popular expressa nas urnas (como exemplificado nas eleições presidenciais na Roménia).
As palavras firmes de Vance revestem-se da autenticidade de quem testemunhou a desindustrialização da América, a devastação causada pelo desemprego e as traumáticas consequências dos vícios, da crise de valores e da instabilidade familiar. Por personificar tão bem os anseios de muitas das classes esquecidas do Ocidente e por ter aprendido a não se deixar intimidar pelas elites que marginalizam tais anseios, o Vice-presidente consegue reconhecer a frágil condição de uma sociedade que não preserva a coesão interna e valores fundamentais como a liberdade de expressão.
A conclusão essencial a retirar do discurso de Vance é que os EUA não estão disponíveis para pactuar com os caprichos ideológicos de uma elite europeia que não respeita a consciência do seu povo e que não protege as suas fronteiras perante o incessante fluxo de imigração.
Face ao exposto, o chanceler alemão Olaf Scholz acusou Vance de tentar interferir nas eleições alemãs. O tom foi de repreensão: “isto não é apropriado, especialmente entre amigos e aliados”. Estranho que um simples discurso possa ser entendido como interferência nas eleições ou como tentativa de imposição de modelos estrangeiros, mas que ninguém no passado tenha interpretado o financiamento da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID) a actividades políticas e de combate cultural, como exemplo de captura do poder e da informação e como arma de desestabilização política.
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, também reagiu mal ao discurso de Vance, considerando “inaceitável” comparar algumas partes da Europa a regimes autoritários. Na mesma linha, o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, afirmou que a liberdade de expressão é garantida na Europa.
Estas reacções são a resposta natural de uma oligarquia que sente o poder a fugir-lhe por entre os dedos à medida que a sua ortodoxia dogmática é desacreditada entre as populações, nos diálogos mais espontâneos e livres, fora dos meios de comunicação ideologicamente alinhados com o poder político. Um dos últimos trunfos desta elite transnacional e desenraizada é o controlo apertado da informação e a prática da democracia como religião persecutória.
Mas esta mesma elite que toma como garantido o protagonismo da Europa no novo mundo multipolar, será inevitavelmente reduzida à insignificância porque espezinha a herança civilizacional do seu continente, ao mesmo tempo que enaltece aquilo que é exótico; porque encoraja que o declínio demográfico dos povos nativos seja compensado com a entrada de um enxame de imigrantes não europeus; porque não se comove com a morte de europeus que são atingidos por atentados e crimes violentos; porque tem uma postura idealista face aos conflitos militares, empurrando milhares de homens para mortes em nome de causas irracionais e imprudentes; e, por fim, porque acredita que as alianças internacionais sobrevivem exclusivamente à base de chavões globalistas e de comunhão de interesses comerciais.
Ao abdicar de uma visão clara sobre o que significa ser europeu, ao sufocar o pluralismo em nome da uniformidade e ao transformar as suas instituições em meros instrumentos de censura e conformismo, o espaço europeu tem perdido o respeito e a influência que outrora possuía. J.D. Vance, ao discursar em Munique, apenas fez um ponto da situação, lembrando que um bloco sem raízes firmes e sem coragem para defender as suas próprias tradições e valores não pode aspirar a ser um actor relevante no mundo, nem poderá esperar que os seus aliados fechem os olhos às arbitrariedades do poder político contra os seus cidadãos.
A mensagem de Vance é um aviso urgente: se a Europa continuar a submeter-se às suas oligarquias e a rejeitar os princípios que lhe deram forma, acabará irreversivelmente relegada ao papel de mero peão no tabuleiro geopolítico global.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.