Numa altura em que discutimos o modelo social e económico pós-pandemia, há um espaço para pensarmos na abertura das universidades portuguesas ao mercado global. Claro que o mundo académico não pode estar sujeito a um código mercantilista, mas pode estar aberto ao mundo e assim atrair novos alunos, que dinamizam a economia nacional e contribuem para o financiamento das universidades.

No nosso caso, esta tarefa seria simples, pois já temos docentes e investigadores de qualidade, uma competência linguística capaz de satisfazer as exigências do mercado global, uma posição geográfica privilegiada e capacidade criativa e de inovação.

Porém, o atual regime jurídico prejudica gravemente a internacionalização da nossa academia. Pela sua especial nocividade, destaco três aspetos que merecem reflexão.

Primeiro, a excessiva burocratização. É verdade que há um projeto de desburocratização em curso no ensino superior, mas que confunde desburocratização com digitalização de procedimentos. Por isso, sob o pretexto da maior simplicidade digital, hoje proliferam plataformas de recolha de dados para fins estatísticos, de avaliação e controlo de qualidade (frequentemente redundantes), que desviam os recursos humanos das tarefas de investigação e docência para tarefas puramente burocráticas.

Mais, a qualidade e a criatividade estão hoje reféns da tirania obsessiva das folhas Excel e do obscurantismo das plataformas digitais.

Segundo, os rácios e critérios academia-unfriendly, ao lado de um requisito de ‘adequação’ que não é perscrutável e que deixa as universidades expostas aos caprichos das entidades que as tutelam. Este quadro normativo é desenquadrado da nossa realidade, não encoraja a importação ou o regresso de talentos, mas estimula a fuga destes talentos para o estrangeiro ou para o mercado de trabalho não académico.

Terceiro, a sujeição da oferta curricular a um controlo de conteúdos por parte das várias entidades administrativas, em violação da garantia constitucional de liberdade académica — o que redunda, muitas vezes, na invasão do espaço próprio de liberdade académica do docente, na invasão da esfera de competência dos conselhos científicos e no empobrecimento de uma oferta curricular que devia ser mutável e evolutiva para proteção e benefício dos próprios alunos.

Alguém compreenderá que um plano de estudos fique inalterado durante seis anos? Alguém achará que o mundo e as necessidades de formação não evoluem a cada ano?

É certo que a academia portuguesa tem sido capaz de evoluir apesar deste quadro normativo hostil. Mas um novo regime jurídico do ensino superior — que crie outras entidades e procedimentos e uma nova mentalidade — é fundamental para termos outra posição no mercado académico global. A matéria-prima humana (investigadores e docentes) já a temos; um regime jurídico adequado é que não.