Apesar da controvérsia e da obstinação de alguns, a sessão solene comemorativa dos 46 anos da Revolução de Abril realizou-se na Assembleia da República, com um número reduzido de presenças e cumprindo as recomendações das autoridades de saúde. Mas realizou-se e teria sido preocupante se assim não fosse.
A Assembleia da República não interrompeu a sua actividade, adaptou-se à crise que atravessamos e celebrou Abril, e continuará, como até aqui, a discutir e a tentar dar resposta a esta ameaça colectiva.
É bem conhecido o complexo relacionamento de algumas pessoas com o dia da Revolução. Haverá sempre quem não aprecie o espírito e os valores de Abril, e este ano procuraram tirar dividendos e criar cisões numa sociedade que precisa de estar unida. Se nunca quiseram o 25 de Abril, era este ano que iriam querer? Até houve quem não quisesse a nossa Constituição e o Serviço Nacional de Saúde.
Esta pandemia, além de todas as consequências negativas e muito graves que representa, tanto em termos de saúde como económicos e sociais, está a permitir que alguns oportunistas e populistas desabrochem e ponham as garras de fora, mostrando, no fundo, aquilo que sempre foram, apesar de por vezes ainda se darem ao trabalho de enfeitar os seus discursos com ideias em que não acreditam. Com o que assistimos nos últimos dias só se deixa enganar quem quer.
Não basta pôr o cravo ao peito. Apesar de aparentes convergências e uniões, importa não esquecer quem tem estado na linha da frente dos cortes nos salários e pensões e na tentativa de definhamento dos serviços públicos, incluindo do próprio Serviço Nacional de Saúde, também ele fruto de Abril.
De manhã, celebrou-se Abril no Parlamento. De tarde, cantou-se às janelas, para afastar discursos empoeirados a evocar tempos mais sombrios.
Num tempo de tantos receios e dúvidas, em que nos dizem que “vai ficar tudo bem”, para de imediato nos lembrarem que nada será como dantes e que temos que nos habituar a uma nova normalidade, é bom ter algumas certezas: Abril é para cumprir, a democracia não está suspensa e deve ser consolidada todos os dias.
Abril cá está e Maio já espreita. O 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador – mais uma dor de cabeça para muitos – é uma data que não pode deixar de ser assinalada, embora de forma muito diferente.
Principalmente numa fase em que a pandemia está a servir para algumas empresas despedirem, aumentarem a precariedade e a pobreza, importa relembrar que o 1º de Maio é uma data emblemática para os trabalhadores e o movimento sindical de todo o mundo. Em Portugal, pôde voltar a ser comemorado livremente depois do 25 de Abril de 1974, como símbolo de força, união e luta, numa acção que libertou um povo oprimido pelo fascismo durante quase cinco décadas.
Comemorar o 1º de Maio é homenagear o significado da luta dos operários de Chicago, que em 1886 fizeram uma greve geral exigindo jornadas de oito horas de trabalho, e é homenagear e dar mais força aos trabalhadores e às suas organizações representativas, é estar do lado dos que lutam por uma vida melhor.
Este ano Abril e Maio são comemorados de forma diferente, mas não estão de quarentena. Assinalar estas datas é intensificar a luta pelo desenvolvimento social, económico e ambiental, pelo reforço das funções sociais do Estado, pela defesa dos serviços públicos e dos direitos dos trabalhadores e das suas famílias. Nestes tempos de isolamento, é preciso juntar e elevar as vozes de um povo que continua a lutar por melhores condições de vida.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.