Os argumentos utilizados entre administradores e administrados com vista ao ajuste da carga fiscal chegaram a níveis de argúcia nunca antes vistos, em que todos os indícios contam.

Longe vão os tempos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tinha ao seu alcance apenas a norma geral anti-abuso para combater situações que ultrapassavam o mero planeamento fiscal admissível dentro dos contornos da lei e do direito. Dotada de um procedimento de aplicação próprio no âmbito do qual recai sobre a AT o ónus de provar a existência de abuso e que limita o conceito de abuso a situações que têm como intuito principal ou essencial a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, esta norma vê o seu campo de aplicação relativamente limitado a situações em que o abuso fiscal é facilmente demonstrável pela AT.

Simultaneamente, numa declaração de guerra aberta contra os comumente designados “paraísos fiscais”, o legislador português introduziu várias normas nos códigos tributários com o intuito de limitar as transações com esses territórios.

Acontece que a experiência tem demonstrado que o abuso fiscal não acontece apenas em transações com jurisdições considerados “paraísos fiscais”. De facto, o abuso pode acontecer dentro das nossas fronteiras alargadas, i.e. na União Europeia (UE). A facilidade dos negócios dentro da UE, as diferenças de âmbito de aplicação, base de incidência e taxa entre os Estados Membros (EM), para falar dos fatores mais comuns, levam a situações em que um rendimento pode fluir até aos acionistas últimos quase intocado pelos EM.

Para combater este fenómeno, o legislador europeu desenhou diretivas contendo normas anti-abuso específicas. Primeiro mais tímido e de forma temporalmente espaçada, com a introdução, nomeadamente, das normas que limitam a aplicação de isenções de retenção na fonte aos juros, royalties e dividendos. Agora, impulsionado pela iniciativa Base Erosion Profit Shifting (BEPS) da OCDE, ocorre uma sucessiva criação legislativa que deu origem às Diretivas Anti Elisão Fiscal I e II que contêm algumas normas com traços semelhantes às presentes no nosso ordenamento jurídico, sendo que estas últimas terão de ser alteradas para ir ao encontro dos ditames europeus.

No entanto, o atual expoente máximo das normas anti-abuso é a cláusula do Principal Purpose Test (“PPT”) que, após o início de produção de efeitos do Instrumento Multilateral, terá, obrigatoriamente, de constar da maioria das Convenções para evitar a dupla tributação (“CDT”) e que tem o intuito de combater o fenómeno do treaty shopping, i.e. a utilização indevida das CDTs com vista a obtenção de vantagens fiscais. Jurisdições como os EUA já tinham tomado medidas para limitar a aplicação dos benefícios das CDTs, através das suas cláusulas objetivas anti-abuso (cláusulas de “LoB”). No entanto, a nova norma do PPT vai muito mais longe. Esta cláusula limita o acesso aos benefícios das CDTs quando seja razoável concluir que determinada transação teve como um dos propósitos principais a obtenção de um determinado benefício consagrado na CDT que resultou direta ou indiretamente nesse benefício (teste subjetivo). No entanto, não deverá haver limitação dos benefícios da CDT quando se possa concluir que a concessão do benefício estaria de acordo com o objeto e propósito das normas relevantes da CDT (teste objetivo).

Tendo em conta o papel crucial que a fiscalidade desempenha na tomada de decisão dos agentes económicos, a superação do teste subjetivo poderá não ser linear. Ainda assim, os benefícios não serão negados se os agentes económicos forem capazes de sustentar que a operação económica em apreço não contraria o objeto e propósito do CDT.

Trata-se, pois, de uma norma de âmbito aberto e conceitos indeterminados que poderá levar a situações arbitrárias.

Por agora, é importante que os agentes económicos entendam o significado do PPT e, acima de tudo, o seu alcance e impacto no paradigma fiscal internacional. Ainda que a sua aplicação prática não se afigure fácil, aconselha-se uma atenção direcionada ao desenho das operações económicas privilegiando sempre a respetiva substância económica.