1. O ‘caso Trump’ tem a seguinte cronologia social depois da invasão do Capitólio: o Twitter suspendeu a conta; depois desativou-a permanentemente (tinha 88 milhões de seguidores em todo o mundo). O Facebook e Instagram calaram Trump pelo menos até à tomada de posse de Joe Biden, dia 20. Seguiram-se o Twitch e o Snapchat. O YouTube ativou regras contra o que considera desinformação sobre as eleições norte-americanas e houve outras redes e plataformas mais pequenas a censurar o acesso de Trump e comunidades organizadas de apoiantes. O  TikTok e o Pinterest, por exemplo, limitaram hashtags consideradas ‘suspeitas’. E houve muito mais.

Este movimento, aplaudido em Portugal pelo sectarismo político do costume, mereceu poucas críticas significativas. Ao mais alto nível, apenas Angela Merkel, insuspeita de ter qualquer relação de apoio ao fenómeno Trump, expressou as suas críticas às redes sociais classificando, através do seu porta-voz, Steffen Seibert, a suspensão como “problemática”.

Admiro a visão da chanceler alemã. Em plena gestão da pandemia, ela foi capaz de perceber, e pronunciar-se, sobre o fundamental do que está em causa neste episódio.

O poder das redes sociais tem de ser limitado dentro do quadro democrático. Não é admissível que sejam os donos das grandes empresas a determinar quem pode e não pode aceder a estas comunidades universais. Qualquer delas, hoje, já é grande demais para ser juiz em causa própria, para julgar sobre o que é ‘verdadeiro’, ‘falso’ ou apenas direito à opinião e liberdade de expressão.

Trump revelou-se um personagem bárbaro mas tem direitos. Este caso deve ser um ponto de partida para a definitiva regulamentação do espaço das redes sociais. Os donos devem gerir o negócio financeiro mas não podem estar à vontade no domínio da liberdade individual. Não há aqui espaço para um mundo alternativo com autonomia ilimitada. Nem pelo facto de Trump merecer tudo o que lhe está a suceder, até o impeachement que o venha a colocar definitivamente fora do futuro da política dos EUA, devemos fechar os olhos ao caso, aliás, paradigmático de algo que acontece com gente anónima todos os dias.

Gostava de ver a União Europeia liderar o processo de regular a atividade destas redes. A lei faz falta aqui.

2. Em Portugal, uma procuradora do DIAP mandou a PSP seguir dois jornalistas para conhecer as suas fontes no âmbito do processo ‘e-toupeira’ e de uma pseudo-violação do segredo de Justiça. Esse processo, pelo que se sabe, não foi validado por qualquer juiz. Gravíssimo. Se foi assim, estamos perante uma enorme arbitrariedade e um ato ilegal. Para além do mais, a procuradora não teve sequer preocupação legal com a quebra do sigilo dos dois jornalistas (Henrique Machado, da TVI e Carlos Rodrigues Lima, da revista “Sábado”), algo que só pode ser ordenado por um tribunal superior. Este caso merece um inquérito interno e consequências explicitadas.

Outra coisa é saber se não devemos estar preocupados com as violações ao segredo de Justiça. A minha opinião é: sim, devemos. E a Justiça deveria combater esse delito. O problema é que, por cooperativismo puro, com a anuência da política, o aparelho judicial, sempre que timidamente pretende simular uma incursão nesta área, não se investiga a si mesmo – vai direto ao bode expiatório: o jornalismo.

É preciso que fique claro: os jornalistas não assaltam tribunais à noite. Fazem o seu trabalho para informar a comunidade. Têm fontes, investigam e informam. O crime, quando existe, é cometido no interior do sistema. E já alguém viu um juiz, um procurador, um advogado, sequer um funcionário, ser acusado e condenado pelo crime de violação do segredo de Justiça?

Haja decoro.