Quem hoje passa pelas ruas de Lisboa mal se lembra do estado em que se encontrava a cidade há poucos anos. E ainda bem. Houve uma transformação substancial influenciada pela reabilitação urbana, um crescimento exponencial do turismo, do investimento estrangeiro em imobiliário português e uma melhoria das condições do crédito. No entanto, apesar da nova face da cidade, persistem os críticos que, aparentemente, estão nostálgicos e preferiam ter mantido a decadência (chique?) que afetava a fachada dos prédios, os bairros desocupados e perigosos, as lojas vazias.

Houve em Lisboa uma evolução, uma mudança para melhor. Devemos, com efeito, afastar o receio natural da mudança. Hoje conseguimos dar um passeio em Lisboa por vários bairros; um que não se limita ao Chiado. Vemos hoje uma cidade vibrante e cosmopolita, algo que contrasta com a Lisboa envelhecida e descuidada de antigamente.

No Intendente, por exemplo, zona que aliciava e albergava a toxicodependência, pode hoje andar-se tranquilamente, observar exemplares arquitetónicos únicos da cidade, bem como imóveis classificados como sendo de interesse público.

O Intendente abriu a porta a um bairro “novo”, a velha Mouraria, que por sua vez “contaminou” a baixa com um ímpeto renovador. Outrora o bairro mais chique de Lisboa, a Baixa tinha caído no esquecimento profundo. É certo que tinha (e tem) algumas lojas centenárias, mas não havia clientes. À noite, quando ficava sem os lojistas, não restava vivalma. Hoje, no Chiado, até ao domingo se encontram as lojas abertas. Com feito, os lojistas foram naturalmente compelidos a abrirem as suas lojas para fazer face às pessoas que voltaram a parar nas suas montras.

Do Chiado, agora cheio de vida (mesmo ao domingo!), pode passar-se diretamente para o Cais do Sodré, entre o rio e um jardim. Este bairro, antigamente dominado por negócios ilegais e perniciosos, hoje alberga desde pequenas lojas boutique a grandes projetos como o Mercado da Ribeira, executado pela Time Out – reconhecida revista que identifica e cria novas tendências.

Mas estes velhos bairros restaurados como novos foram apenas o início e hoje são só uma amostra do que foi feito e do que se está a melhorar em Lisboa. Entre o cais do Sodré e o Parque das Nações havia indústria e pouco mais. Atualmente há pelo menos três novos polos que irão surgir, desde o Jardim do Tabaco e Santa Apolónia a Xabregas e Braço de Prata. Neste “braço” junto ao rio, que se estende até ao “oriente” (antes um oásis de atividade entre indústria abandonada), estão neste momento em curso novos projetos e haverá muita matéria-prima para continuar a criar, com os vários armazéns abandonados que são perfeitos para criar zonas de lazer e de atividade cultural. Em ex-aequo, Xabregas vai atrair jovens de todo o mundo pois serão edificadas zonas de coworking, impulsionadas pela recente Web Summit.

Não se trata de termos alguns bairros decorados para serem “inundados” por turistas. O que está a acontecer é um processo de transformação cosmopolita, abrangente. Alguns bairros que tradicionalmente serviam apenas para os portugueses dormirem, como a Penha de França, hoje em dia não só têm estrangeiros a viver (i.e., não turistas) como se afirmam como polos de dinamização cultural. O Espaço da Penha é um exemplo dos novos projetos que estão a surgir, como consequência desta renovação da cidade. Trata-se de um conjunto de estúdios e espaços de trabalho, num total de 1200 metros quadrados, um novo polo cultural que impulsiona a atividade artística de toda a cidade.

As novas faces de Lisboa têm surgido em paralelo com uma subida de preços, principalmente na Baixa, no Chiado, na Avenida da Liberdade e no Bairro Alto. Aqui, os aumentos foram de 18% a 30% entre 2014 e 2015, e este ano os valores serão semelhantes. Por outro lado, nas restantes freguesias os preços/m2 subiram entre 1,25% e 11,4%, ou seja, os preços pedidos em Lisboa subiram 9% em 2015 e espera-se um valor semelhante em 2016.

Com o continuado desenvolvimento da cidade é natural que haja um maior equilíbrio na dispersão de preços. Houve zonas que foram muito esquecidas e cuja regeneração não poderá deixar de impactar os seus respetivos valores, pois até ao momento estavam subvalorizadas face ao seu potencial. A cidade irá assim tornar-se maior, com vários bairros encantadores, cada um com a sua especificidade.

Com estas mudanças é certo que haverá alguns pontos menos positivos. Poderão fechar algumas lojas pelas quais gostava de passar todos os dias (mas não entrava). Algumas lojas tradicionais poderão não sobreviver a esta dinâmica. Porém, se isto é verdade é porque não tinham clientela – eram mantidas artificialmente com rendas antigas, suportadas pelos proprietários. O que está correto é definir quais as lojas históricas que o cidadão contribuinte quer manter. Sim, contribuinte, pois ao serem mantidas, estas lojas deverão ser subsidiadas pelo Estado e não suportadas pelos privados. Ao perdermos algumas destas lojas, vale a pena pensar se preferimos voltar a um tempo em que não se andava livremente na cidade: ora era perigoso, ora não havia nada para ver.