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Achado não é roubado? Será crime apanhar dinheiro do chão? Veja o que diz a lei

E se, ocasionalmente, enquanto caminha pela rua encontrar uma nota de cinquenta euros no chão. Pode fazê-la sua?
24 Agosto 2018, 16h38

  • Advogado Nuno Cerejeira Namora – Sócio fundador da Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados

Aquilo que, moralmente, não nos afigura como repreensível, pode, à luz da lei, efetivamente, sê-lo. Tal que acontece com a apropriação de coisa (em que se insere o dinheiro) que se haja ocasionalmente encontrado. Quem encontrar dinheiro pode, de facto, estar a cometer um crime de apropriação ilegítima, punível com pena de prisão até 1 (um) ano ou com pena de multa até 120 (cento e vinte) dias. Os círculos da ética e do Direito nem sempre se sobrepõem. Tal consideração resulta da conjugação do artigo 209.º do Código Penal (CP) que estabelece o crime de apropriação ilegítima, em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, e do artigo 1323.º do Código Civil (CC) que, inserido na secção dedicada ao instituto da “Ocupação”, trata dos “Animais e coisas móveis perdidas”.

Assim, se alguém encontrar uma coisa perdida, de acordo com a lei, deve tentar verificar se existe uma identificação, ou, no caso do dinheiro, tentar percecionar a quem pertence, de forma que o achado seja devolvido ao seu proprietário. Se tal não se afigurar como possível, sempre deverá entregar a coisa, em cujo conceito se insere o dinheiro, junto das autoridades. Não obstante, a lei civil concede a possibilidade de decorrido um ano sobre a entrega da coisa (dinheiro, e. g.), se regressar à entidade policial para aferir se o bem foi, ou não, entregue ao seu proprietário. Se ainda lá estiver, a pessoa que encontrou a coisa tem direito a que aquela lhe seja entregue, mediante o instituto jurídico da ocupação.

Por conseguinte, aquele que não cumprir as diligências mencionadas, por considerar que o dinheiro lhe pertence, agindo ainda como seu real proprietário, incorre em responsabilidade criminal. Todavia, sempre se frise que é necessário que exista um “manifesto ato de apropriação”, para que o crime se consuma, exteriorizando o agente ações que levem a crer, a um terceiro, que o agente se comporta como o seu real proprietário. Desse modo, não preenche o tipo legal de crime qualquer mera omissão de entrega, designadamente a daquele que conserva a coisa à espera que seja reclamada, pois não se comporta como um verdadeiro proprietário. Não obstante, comete o crime aquele que meramente se conforma com o resultado, isto é, que se apropria do dinheiro, desinteressando-lhe se fere a propriedade de outrem ou não.

  • Advogada Sara Mendonça – Associada da CCA Ontier

E se, ocasionalmente, enquanto caminha pela rua encontrar uma nota de cinquenta euros no chão. Pode fazê-la sua? Afinal, a nota não tem identificação nem dono aparente e se perguntar à pessoa mais próxima se aquele dinheiro lhe pertence, é provável que esta lhe responda ‘sim’ mesmo sem que tal seja verdade. Ora, já dizia o ditado popular que “achado não é roubado”. E, em bom rigor, não é! Porém, o nosso legislador decidiu (e bem) que deveria tutelar penalmente a propriedade alheia, tipificando no artigo 209.º do CP o crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, que pune com pena de prisão até um ano ou de multa até 120 dias, quemse apropriar ilegitimamente de coisa alheia que haja encontrado, tenha ela sido perdida ou esquecida pelo seu dono.

Além da tutela penal, as coisas perdidas beneficiam ainda de tutela cível, por força do artigo 1323.º do nosso CC, o qual prevê que aquele que achar coisa perdida deve restitui-la ao seu dono, se souber a quem pertence, ou, caso não saiba, comunicar o seu achado às autoridades. Afinal, não estamos na “terra de ninguém”! Mas não se preocupe, se encontrar dinheiro no chão e o apanhar, não está a cometer um crime, nem tão-pouco será preso por isso. No entanto, se o retiver e agir como se este fosse seu, poderá incorrer na prática do crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 209.º do CP, caso o procedimento criminal seja instaurado mediante a apresentação de queixa pela pessoa que perdeu o dinheiro.

No ano passado, a opinião pública deparou-se com dois casos emblemáticos neste conspeto. Um deles no país vizinho, onde uma mulher da Galiza foi condenada pelo Tribunal espanhol a devolver 320 mil euros ganhos com um boletim de lotaria que encontrou no chão, bem como a pagar uma multa e as custas do processo. O outro caso ocorreu no Reino Unido, onde uma jovem de 23 anos ficou com cadastro depois de ter sido apanhada por câmaras de segurança a colocar no bolso uma nota de 20 libras que havia apanhado do chão à porta de uma loja e de ter negado à polícia que o tinha feito. Mas, dito isto, não se alarme!

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