Ao ponto que estamos a chegar, descontamos, e cada vez menos sítios, hospitais e médicos, trabalham para a ADSE. Afinal, o que se passa?” A indignação foi partilhada por Ilda Francisco num grupo de beneficiários do subsistema dos funcionários públicos e espelha a dificuldade que muitos enfrentam no acesso a cuidados de saúde convencionados. “É uma vergonha. Estamos a pagar correspondente a um seguro e ninguém reconhece isso”, atira outro utente. Há ainda quem aponte para a raiz do problema: “Não lhes compensa ter acordo com a ADSE. Tabelas miseráveis.”
É precisamente esse o ponto-chave. Insatisfeitos com os preços-tabela praticados por este subsistema de saúde, prestadores e médicos têm abandonado as convenções com a ADSE, levando a que os 1.3 milhões de beneficiários recorram mais ao chamado regime livre, através do qual pagam como qualquer particular, reavendo depois parte do valor, explica ao Jornal Económico o economista e antigo vogal do conselho diretivo da ADSE, Eugénio Rosa.
O antigo deputado do PCP alerta que os beneficiários saem “lesados” ao recorrer ao regime livre, uma vez que acabam por pagar, em média 50% da fatura, quando no convencionado, em média, pagam apenas 20%. Só que as possibilidades de recorrer a cuidados de saúde onde haja acordo com a ADSE têm vindo a encurtar, sobretudo em especialidades como dermatologia, psiquiatria, ginecologia e obstetrícia. Neste último caso, onde a ADSE praticamente não tem médicos convencionados, exemplifica, uma consulta no privado custa 100 euros, dos quais os beneficiários recebem de volta só 30/35 euros.
No regime livre, segundo cálculos de Eugénio Rosa, os beneficiários da ADSE gastam cerca de 400 milhões de euros, que se junta aos 700 milhões que descontam – 3,5% do salário ou da pensão. “É muito pesado para os beneficiários”, constata. No entender do antigo dirigente, é preciso que haja “um esforço” e “proatividade” para ter uma “negociação flexível” com os prestadores privados para trazer para o regime convencionado os médicos e atos clínicos que estão fora.
Eugénio Rosa recorda que a ADSE tem no Instituto de Gestão de Crédito Público 1.100 milhões de euros acumulados de excedentes, considerando por isso que “há capacidade para melhorar preços”. “É preciso é haver da parte da ADSE uma abertura para encontrar preços que sejam justos e equilibrados”, conclui.
Oscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) diz, porém, que, ao contrário daquilo que acontece com as companhias de seguros, com a ADSE não há negociação. “Há a definição de uma tabela que é um contrato de adesão para os prestadores”.
O responsável da APHP aponta ao JE que o subsistema de saúde dos funcionários públicos não atualiza as tabelas de acordo com a inflação, “o que terá tido particular impacto a partir de 2022/2023”. E que, além disso, o facto de no primeiro trimestre de 2024 e de 2025 haver governos em gestão “terá contribuído para não se terem tomado as medidas atempadamente”. “Como resultado global destas situações, os beneficiários da ADSE têm vindo a ter que recorrer cada vez mais ao regime livre”, constata.
Muitas queixas
Ao Jornal Económico, o presidente da Associação 30 de Julho, que representa os beneficiários da ADSE, afirma que o facto de serem cada vez menos os médicos e atos convencionados tem gerado muitas queixas, sendo esse “um dos maiores problemas” dos utentes abrangidos pelo subsistema público de saúde. “Temos defendido que a ADSE deve garantir aos seus beneficiários o acesso à generalidade dos cuidados de saúde, de qualidade, em tempo útil e com preços justos”, defende Fernando Vaz de Medeiros.
Questionado sobre as áreas onde as portas mais se têm fechado à ADSE, o presidente da associação de beneficiários diz que a oferta “tem diminuído em muitas áreas, mas varia consoante os prestadores convencionados e a dimensão e localização dos respetivos hospitais e clínicas”. “Constatamos que em certos grupos privados há médicos que estão convencionados nas unidades periféricas e de menor dimensão, mas que não estão abrangidos pelas convenções nas unidades centrais e de maior dimensão”, explica Fernando Vaz de Medeiros.
No início deste ano, a ADSE avançou com uma revisão das tabelas, alargando benefícios, como seja o aumento dos reembolsos em algumas consultas e o limite de 500 euros suportado pelos utentes em qualquer cirurgia. Mas “não foi suficiente visto que não se constatou um aumento nos cuidados de saúde convencionados, concretamente no que se refere a médicos e exames”, aponta.
Para esta associação, a relação ADSE/beneficiários/prestadores deve ser encarada como uma parceria que tenha em consideração que os cerca de 1 milhão e 300 mil beneficiários “são potenciais clientes dos prestadores privados”.
Em consequência, acrescenta Fernando Vaz de Medeiros, “as convenções devem ser estabelecidas com o compromisso da ADSE de pagar preços justos e, em contrapartida, a obrigação de os prestadores privados garantirem a inclusão de médicos e exames de todas as valências”.
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