Não há nada como “Mau Tempo no Canal” de Vitorino Nemésio, um dos romances mais extraordinários da literatura portuguesa do séc. XX. Nemésio retrata a vida nos Açores nas ilhas do grupo central, entre 1917 e 1919, e não faltam as rivalidades entre famílias burguesas, as touradas, a caça ao cachalote, a meteorologia (sempre tão singularmente descrita pelo autor) e o mar, sempre presente.
Começo esta crónica a evocar este romance porque ainda há poucas semanas aterrei na ilha Terceira, nos Açores, e pedi a um taxista que me levasse à cidade da Praia da Vitória. Perguntou-me se tinha algum destino específico e pensei que poderia ser agora a oportunidade de visitar a Casa Museu Vitorino Nemésio, edifício histórico onde o escritor nasceu, em 1901. Infelizmente, descobri que o local está encerrado para obras de requalificação e reabre antes do final do ano.
Para mim, era um local simbólico para começar esta viagem. Afinal, foi através desse romance que conheci um pouco da realidade açoriana do início do séc. XX, a somar a muitos dos seus regionalismos e à cultura das touradas e baleeiros.
Hoje, os cachalotes são avistados ao longe por lanchas de turistas que têm de resistir ao ondular das vagas, sem ceder aos enjoos e ao calor do mar alto.
Em muitas noites, os foguetes ressoam pelas várias freguesias da ilha. Dizem-me que não há ilha com tantas festas como a Terceira. E, depois, há a constante lembrança de que os Açores são fruto de erupções vulcânicas, com o extinto vulcão do Monte Brasil a realçar ainda mais a beleza natural de Angra, património mundial da UNESCO.
Longe de mim querer passar por uma continental que romantiza a ilha ou a vida dos ilhéus. A Terceira é um portal para um mundo ainda em afinidade com os ritmos da natureza. Os sismos regulares, o “bafo tépido”, os picos nublados, o azul do Atlântico, a rocha vulcânica antiga coberta de vegetação e as formações de lava. E o que dizer do sossego que acalma quem ali chega, desgastado pelo ruído e fumo de grandes metrópoles?
Um enigma a decifrar. Aproprio-me desse subtítulo do romance de Vitorino Nemésio para descrever os Açores. Tive um vislumbre dessa insularidade tão presente na sua obra.
Perguntei a um dos locais se o excesso de turismo não poderia, um dia, descaracterizar a ilha. Respondeu-me que seria inevitável. Seria uma tristeza ver o arquipélago seguir o mesmo rumo de gentrificação que seguiram tantas cidades portuguesas no continente. Esperemos que não.