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Mohan Munasinghe: “Acredito que estamos muito perto de um precipício”

Especialista em alterações climáticas diz que os líderes mundiais têm plena consciência das consequências a longo prazo de não implementarem medidas de sustentabilidade, mas não agem devido à pressão de curto prazo que enfrentam nos ciclos eleitorais.
7 Abril 2019, 08h00

Mohan Munasinghe era vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas quando este organismo partilhou o Nobel da Paz de 2007 com o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore. O professor do Sri Lanka esteve esta semana em Lisboa, para participar  no primeiro do ciclo de encontros do Jornal Económico, do Grupo Bel e da Planetiers “O Mundo Depois das Alterações Climáticas”.

“Pensar global, agir local”  ainda é a abordagem certa para promover a sustentabilidade?

Penso que para muitas coisas é importante pensar global e agir local, no sentido em que o que se faz a nível local tem um impacto global. As emissões de carbono são muito importantes, por exemplo. No entanto, noutras coisas temos que pensar local e agir global. Um político que quer ser eleito tem primeiro que pensar local, certo? Mas quando pensamos a nível global temos que pensar nas implicações. Ou seja, depende. Não acredito que a resposta seja uma ou outra. E quando falamos em agir global não se aplica só aos líderes, mas também às pessoas comuns. Através da internet, por exemplo, podem desenvolver um networking global.

Em que medida é que o jogo democrático pode representar um constrangimento para implementar alguns dos objetivos de sustentabilidade?

Pode, porque o sistema democrático está focado em cada quatro ou cinco anos nas eleições. Mas a resposta a isso deve ser a informação correta. O que [a comunicação social] está a fazer é um trabalho importante, ao explicar às pessoas as consequências a longo prazo de temas como as alterações climáticas. Se se pensar apenas no agora, no próximo ano ou no próximo mês… Isto não se aplica apenas aos políticos, mas às pessoas que estão neste momento a fazer escolhas baseadas apenas no curto prazo. Tal como no “pensar global, agir local”, há por vezes que pensar no curto prazo mas igualmente no longo prazo.

Tem existido uma evolução na consciência da importância dessa necessidade?

Penso que muitos líderes, para serem eleitos, têm que ser razoavelmente inteligentes, certo? Estão cientes das consequências a longo prazo, ou devem estar cientes. Mas não agem devido à pressão que enfrentam do curto prazo. As pessoas que lhes dão financiamento [para as campanhas] ou os seus associados políticos dizem-lhes algo diferente. Eles até podem compreender, mas não há pressão suficiente do lobby de longo prazo para combater o curto prazo.

A chave é então uma maior pressão desse lobby?

Sim, e esse lobby tem que vir muito dos jovens. São os jovens que a longo prazo têm a vida. As pessoas mais velhas talvez estejam a pensar nos últimos anos que passaram, nos próximos anos que virão porque não vivem tanto tempo [quanto os jovens]. Os mais jovens devem ter a energia para dizer: este é o nosso mundo, é o nosso planeta, e assim por diante.

Os países mais ricos devem ter papel acrescido no combate às alterações climáticas?

Não apenas sobre as alterações climáticas. Se olharmos para o padrão de consumo, 85% do consumo é feito pelos 20% mais ricos da população mundial. As oito pessoas mais ricas do mundo em 2016 controlavam mais ativos do que metade da população mundial. Esta conversa não é só por causa das emissões de carbono e das alterações climáticas, mas do tipo de consumo cada vez mais rápido. O comportamento dos ricos é crítico. Se forem capazes de consumirem de forma mais sustentável haverá mais recursos para os mais pobres. Isso também é um bom exemplo.

Mas de uma forma geral, toda a sociedade precisa de mudar a forma como consome?

Sim, de uma forma geral. A sua questão anterior foi se os mais ricos têm maior responsabilidade. É verdade que toda a gente tem, exceto os mais pobres. Não podemos dizer a alguém que está a morrer de fome que precisa de consumir de forma mais sustentável, pois não consomem nada. Aos pobres, precisamos de tirá-los da pobreza. Os países mais ricos e os ricos têm sido extremamente responsáveis pela forma como consomem recursos. Os mais ricos podem manter um bom estilo de vida, mas podem fazê-lo com muito menos pressão no ambiente. Pode haver uma produção mais eficiente, com menos embalagens, com outras opções. Ser sustentável não significa ser pobre, não significa desistir de um bom estilo de vida.

A sustentabilidade tem impacto na redistribuição da riqueza?

Terá, da seguinte forma: estamos atualmente a consumir 70% mais dos recursos do planeta do que deveríamos consumir de forma sustentável. Mantendo este ritmo, até 2030 precisaremos de dois planetas. A distribuição [da riqueza] é a chave. Se os ricos colocarem menos pressão sobre o consumo de alimentos e de energia, existirão também mais recursos disponíveis para os mais pobres. Para que aconteça automaticamente teremos que ter políticas económicas e sociais para que essa redistribuição aconteça. Mas antes de mais temos que libertar recursos.

E qual é o papel das empresas nesta mudança?

Basicamente produzirem de forma sustentável. Existem muitas técnicas atualmente, através das quais podemos reduzir talvez para metade a quantidade de energia que estamos a usar, a quantidade de água que usamos. Isto é o que se chama uma solução win-win. Se as empresas reduzirem a energia que usam, os recursos que usam, os custos irão descer, logo os lucros também irão aumentar. Ao mesmo tempo tem um bom impacto ambiental. Muitas empresas têm tecnologia e metódos que o permitem. Não há nenhuma razão para que a produção não seja feita de forma eficiente. E isto estende-se ao consumo. Não podemos usar tantos recursos.

Algumas empresas já estão numa fase de transição do modelo tradicional de gestão, centrado na geração de lucros, para um modelo sustentável?

Algumas. Trabalhei com algumas das maiores multinacionais mundiais de energia, alimentação, bioquímica e de vários setores. Algumas são muito sérias e estão a fazer a diferença. Estão a reportar, a contabilizar, não apenas os lucros, mas também o impacto social e ambiental. Mas não é suficiente, claro. Acredito que estamos muito perto de um precipício e que podemos cair no precipício ou podemos salvar-nos. O setor empresarial tem aqui um papel importante e pode fazer mais.

Artigo publicado na edição nº 1981 de 22 de março do Jornal Económico

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