[weglot_switcher]

ACT: Inspeção só conseguiu provas em cinco casos este ano

A nova legislação sobre assédio moral no trabalho já foi aprovada no Parlamento e aguarda publicação. O objetivo é proteger mais os trabalhadores e responsabilizar as empresas. Mas a distância entre o que fica escrito e a prática ainda é um longo caminho a percorrer.
Yannis Behrakis/Reuters
5 Agosto 2017, 10h20

O Parlamento discutiu e aprovou recentemente alterações à legislação sobre assédio moral no trabalho, com o objetivo de proteger os trabalhadores e de responsabilizar as empresas, já que um dos principais problemas é conseguir provar uma situação de assédio. A própria Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) reconhece a dificuldade em obter provas, apesar de, nos últimos anos, os inspetores terem dado “particular enfoque” ao tema nos seus planos de atividades, diz fonte oficial do organismo.
Segundo dados solicitados pelo Jornal Económico à ACT, no primeiro semestre do ano foram recolhidas provas em apenas cinco situações de assédio. “A recolha de evidências/provas nesta temática, para efeito de adoção de procedimentos, nem sempre é de fácil obtenção, designadamente ao nível dos comportamentos indesejados adotados”, sublinha a fonte da ACT.

Também no ano passado, os inspetores do trabalho recolheram provas de existência de assédio em apenas 18 situações, tendo sido instaurados processos de contraordenação cuja moldura mínima total das coimas foi de 116,8 mil euros. Este montante corresponde à soma dos valores legalmente fixados como mínimos a aplicar nas infrações em causa, o que significa que é o valor da notificação para pagamento voluntário. “Caso não concorde, o infrator pode não pagar e exercer o seu direito de defesa no processo, seguindo-se a tramitação legalmente prevista, designadamente possibilidade de recurso judicial, ou seja, poderá ainda não existir coima efetivamente aplicada”, explica a mesma fonte da ACT.
Os dados da ACT apenas incluem as situações em que a autoridade recolheu evidências ou provas de assédio nos locais de trabalho, mas não integram o número de queixas ou denúncias.

Nova lei ajuda mas não resolve tudo

As alterações à lei – que aguardam publicação em Diário da República – não resolvem o problema na totalidade, mas o deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro, um dos autores da proposta de alteração, considera que “foram dados passos muito importantes e positivos”.

“Obviamente que ainda há muito a fazer e, mesmo que a lei fosse perfeita, a distância entre o que é a lei e a prática extravasa as relações laborais”, defende o deputado. José Soeiro explica que a solução também passa por uma justiça mais acessível e célere, por uma maior capacidade e meios das instituições públicas e por uma maior atenção dos sindicatos a estes casos.

Além disso, lembra, uma das ideias essenciais da proposta de alteração ficou pelo caminho. A proposta do Bloco e do PCP de alargamento da inversão do ónus da prova a todas as situações de assédio não colheu votos favoráveis ao PS, PSD e CDS.

“O que se pretendia era facilitar a prova, hoje muito difícil nos casos de assédio não discriminatório”, diz Soeiro ao Jornal Económico. Ou seja, o objetivo era que fosse o trabalhador a indicar os factos, passando a caber ao empregador a responsabilidade de provar que eles não tinham acontecido.

Por outro lado, frisa, foram dados passos importantes com a aprovação da proposta conjunta do Bloco, PS e PAN, que o PCP votou favoravelmente. Uma das principais inovações está numa nova norma incluída no artigo 29.º do Código do Trabalho, explica fonte do departamento laboral da sociedade de advogados Miranda Alliance. A norma proíbe que “o denunciante e as testemunhas por si indicadas” sejam sancionados disciplinarmente “a menos que atuem com dolo”. Ou seja, explica a mesma fonte, este ponto “torna em princípio imunes no plano disciplinar o denunciante de assédio e as suas testemunhas, mesmo que tenham agido com negligência”.

Com a nova lei passam ainda a considerar-se abusivos os despedimentos feitos na sequência de uma denúncia de assédio e as empresas passam a ter de pagar os custos relacionados com os danos na saúde dos trabalhadores. Passa também a a ser obrigatória a publicação de uma lista negra das empresas condenadas por assédio, no site da ACT.

Outra novidade é a obrigatoriedade de as empresas com sete ou mais trabalhadores adotarem “códigos de boa conduta para a prevenção e combate do assédio no trabalho”. Caso não cumpram, incorrem em contraordenação grave. Porém, fonte do departamento laboral da Miranda sublinha que “o real impacto dos códigos de conduta a adotar dependerá do seu conteúdo e, sobretudo, da efetividade que venham a ter no interior da empresa”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.