Enquanto a evolução da pandemia e o seu prolongamento no tempo ainda permanecem uma incógnita, as dúvidas quanto aos seus fortes impactos económicos e estruturais vão desvanecendo. Os dois principais bancos centrais – a Reserva Federal nos Estados Unidos e o BCE na Europa – já admitiram mesmo que a recuperação económica plena nos dois lados do Atlântico ainda demorará a chegar. Uma questão que se coloca cada vez mais já não é tanto se esta crise irá passar rapidamente, mas que impactos e mudanças duradouros trará para as nossas vidas no futuro, dado que, historicamente, as crises tendem a forçar mudanças estruturais.

Um dos aspetos que certamente irá acelerar com a pandemia, é o processo de digitalização da economia. A situação de quarentena e distanciamento social, forçada pela pandemia, colocou desafios à continuação das atividades económicas e à facilidade da satisfação das nossas necessidades mais básicas. A grande solução que surgiu e que nos permitiu a todos manter minimamente os nossos padrões de vida anteriores à epidemia foi, sem dúvida, a utilização dos canais digitais.

Muitos de nós passaram a trabalhar ou a estudar exclusivamente a partir de casa. Passámos a fazer mais compras online e a dar maior uso aos serviços bancários digitais. As videochamadas e as teleconferências tornaram-se parte do nosso novo quotidiano. A presença e atividade nas redes sociais explodiu. Tudo isto espoletou uma mudança de trajetória e intensificação da nossa relação com a tecnologia, que nos fez perceber a sua importância na nossa vida e como nos poderá ajudar a melhorá-la. No entanto, apesar de trazer benefícios, o processo de digitalização não está isento de riscos. Desafia o estado atual das coisas, mas também oferece oportunidades. No fundo, como qualquer grande mudança estrutural, apela às nossas capacidades de adaptação, inovação e resiliência.

Com efeito, a revolução digital pode trazer alterações e desafios significativos tanto para as empresas, como para os trabalhadores e governos.

No caso das empresas, traz responsabilidades acrescidas para as suas lideranças, que terão de apostar na inovação, sabendo adaptar e reinventar os seus negócios, com flexibilidade e agilidade, de maneira a aproveitar oportunidades e mitigar riscos. O mundo digital permite às empresas alargarem e diversificarem a sua presença no mercado, facilitando também a internacionalização. Permite-lhes estar mais atentas ao comportamento e preferências dos consumidores, bem como aos seus concorrentes e mercado onde atuam, através de ferramentas de data analytics e business intelligence. Todavia, também implica que enfrentem uma concorrência acrescida.

Outra faceta da revolução digital, a automação, pode ainda trazer aos países desenvolvidos e suas empresas uma oportunidade de recuperar tipos de atividade produtiva que foram perdidas no passado, embora muito provavelmente não traga por si só uma significativa criação de emprego. São precisamente os trabalhadores que, sem a atenção devida, se poderão revelar o elo mais fraco da transição digital.

A substituição de algumas tarefas executadas pela mão humana, possibilitada pela automação digital, poderá levar a um fenómeno de polarização do trabalho. Nele, os postos de trabalho com qualificações médias tendem a ser eliminados, ficando o mercado de trabalho dividido apenas entre empregos de qualificações baixas e os de qualificações altas. Tal tenderá a agravar as desigualdades, podendo incentivar o surgimento de grupos na sociedade dispostos a desestabilizar os espaços político e social, com potencial para piorar a situação.

Em última análise, a transformação digital traz também desafios aos governos enquanto garantes do bem-estar dos seus cidadãos, devendo aqueles assegurar que os benefícios por ela trazidos serão distribuídos inclusivamente por todos. Isto requer que os lesados pelo processo – por exemplo, os trabalhadores que perderem os seus empregos devido à substituição das suas funções por robôs –, sejam de alguma forma compensados e, sobretudo, ajudados a requalificar-se, de modo a poderem também usufruir e contribuir para a economia resultante da quarta revolução industrial.

Por último, não deve ser esquecida a necessidade de um maior grau de multilateralismo e de solidariedade internacional, permitindo que os benefícios da revolução digital sejam partilhados por todos os países e impedindo que se tornem no privilégio de um clube restrito.

A crise originada pela pandemia veio acelerar o processo em curso de transformação da economia, fazendo o futuro chegar mais depressa. Historicamente, a tecnologia trouxe enormes progressos para a humanidade, sobretudo quando colocada ao seu serviço de forma inclusiva. Não obstante, a inclusividade dependerá muito de como as instituições e os seus protagonistas lidarão com os novos desafios agravados pela mudança acelerada e pela situação de crise.

Referências

Anderton, R., Jarvis, V., Labhard, V., Morgan, J., Petroulakis, F., Vivian, L. (2020). “Virtually everywhere? Digitalisation and the euro area and EU economies”, Occasional Paper Series, ECB.