Para lidar com o espetro de uma nova confrontação militar na Europa, onde a estabilidade estratégica se degrada diariamente a olhos vistos. O catalisador específico dessa confrontação situa-se na linha que separa as forças ucranianas das forças rebeldes pró-russas, na região do Donbass, onde se encontra metade do Exército ucraniano em posição para as atacar. A concentração de forças russas na fronteira com a Ucrânia pretende dissuadir Kiev de dar esse passo. A Rússia não atuará se a Ucrânia não tentar retomar o controlo do Donbass pela força.
Acossada pelas ameaças ao seu território colocadas pelos sistemas antimíssil colocados próximo da sua fronteira, capazes de atingir Moscovo e São Petersburgo, submarinos nucleares norte-americanos no norte da Noruega, e aumento das atividades navais da Aliança no Mar Negro, Moscovo pretende garantir que a NATO não vai continuar a expandir-se para Leste, nem vai continuar a colocar sistemas de armas ofensivos próximo das suas fronteiras, garantias que a Casa Branca não está disposta a dar.
Com a experiência de cinco invasões em três séculos, perpetradas por potências ocidentais, três no séc. XX, a Rússia aprendeu que necessita de uma zona tampão para garantir a sua segurança. Por isso, não permitirá a adesão da Ucrânia e da Geórgia à NATO, nem que Aliança construa infraestruturas militares ou coloque armamento ofensivo nestes países. Do mesmo modo, os EUA não permitirão que uma potência rival estabeleça bases militares na América Central. Esta questão é existencial para a Rússia, pela qual se morre e se mata. Moscovo não vai ceder nesta matéria. Se cedesse, ficaria numa situação de extrema vulnerabilidade noutras regiões, nomeadamente no Cáucaso. Abriria um precedente sem fim à vista. Seria o fim da Rússia como potência. Os falcões em Washington não querem compreender este problema e desvalorizam a sua importância.
O Secretário-Geral da NATO acha que a Rússia não tem o direito de estabelecer uma zona de influência. É pena não ter percebido, que não está em causa a criação de uma zona de influência, mas sim de uma zona de neutralidade estratégica, não comparável à doutrina Monroe. Não foi por acaso, que Brzezinski classificou a Ucrânia de pivô geopolítico.
Do ponto de vista legal, a Rússia encontra-se numa situação complicada. O Donbass é território ucraniano. Mesmo que a Rússia se limite a responder a uma ação iniciada pela Ucrânia, encontrar-se-á legalmente sempre na situação de agressor. Como teria sido importante, para evitar este dilema, que Washington e as potências europeias tivessem pressionado Kiev a respeitar os acordos de Minsk, de fevereiro de 2015, completamente ausentes da narrativa ocidental, em que as autoridades ucranianas se comprometiam a garantir um estatuto de autonomia a Donetsk e Lugansk através de uma revisão da Constituição, a declarar uma amnistia e a iniciar o diálogo com estas duas regiões, algo que nunca fizeram.
Independentemente das nuances legais, é bom que nos convençamos de que a Rússia não vai permitir a chacina da população russa do Donbass pelo regime xenófobo e de laivos neonazis instalado em Kiev, que chegou ao poder através de um golpe de estado, após derrubar um presidente eleito democraticamente.
Em vez de mediar as diferenças entre Kiev e os grupos rebeldes de Lugansk e Donetsk, Washington mete lenha na fogueira, ameaça Moscovo com sanções económicas e dá gás aos radicais revanchistas ucranianos. Devemos estar cientes de que em caso de conflito haverá apenas um ganhador. Era conveniente que Kiev, assim como os europeus, percebesse que engrossará a lista dos perdedores. Por isso, não é aconselhável provocá-lo. Deveria pensar duas vezes no que se(nos) vai meter, porque a NATO não irá defender militarmente a Ucrânia. Será tarde quando descobrir que é apenas um ator subsidiário de projetos geopolíticos alheios. Em vez de se afiarem facas e rufar tambores faria mais sentido promover a coabitação pacífica e não desafiar a frágil estabilidade estratégica em que vivemos.