Qualquer comunidade, independentemente do número de elementos que a componham ou da complexidade das suas relações, para se organizar e lograr prosseguir os fins visados pelos seus membros, seja individual ou coletivamente, deve erigir-se em torno de um conjunto de regras por todos entendidas e seguidas. Esse conjunto de regras nas sociedades atuais é de tal forma complexo que o exercício de uma profissão como a de Advogado obriga estes profissionais a especializarem-se num número limitado de áreas do direito como forma de se manterem permanente atualizados.

Tal empreendimento, contudo, não constitui nos dias de hoje tarefa fácil, não apenas porque a irrequietude do legislador é incorrigível, legislando muitas vezes de forma desnecessária e outras inadequada, como também pela circunstância da tecnologia e a inteligência artificial terem facilitado e alterado a forma como os clientes procuram os Advogados.

Mas, com ou sem tecnologia, com ou sem inteligência artificial, a verdade é que os Advogados têm um papel insubstituível na defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das empresas. E, por isso mesmo, estou em crer que nem a tecnologia nem a inteligência artificial aplicada agora também aos serviços jurídicos, são de modo a tornar a figura do Advogado dispensável.

Há, no entanto, quem opine que os serviços jurídicos e os seus prestadores atravessam um momento de crise que tem sido exteriorizado, por exemplo, no descontentamento manifestado pelos Advogados relativamente à sua Caixa de Reformas, à ausência de um regime de assistência na doença ou da inexistência de um regime fiscal adequado para Advogados e Sociedades de Advogados.

A verdade é que o legislador na última década contribuiu bastante para enfraquecer o acesso dos cidadãos ao direito e à justiça e para a deterioração do exercício da profissão.

Os Advogados desempenham junto dos Tribunais, na defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e empresas, uma missão de interesse público. Têm para o efeito que realizar e concluir com sucesso um tirocínio profissional não remunerado junto da Ordem dos Advogados.  Tirocínio esse que é suportado pelos próprios, ao contrário do que acontece com os magistrados judiciais que não só não pagam os respetivos estágios como são remunerados durante a sua realização.

No Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais em que os Advogados assumem o exercício da defesa e o patrocínio das pretensões dos cidadãos com direito a proteção jurídica, são estes profissionais que através das suas quotas suportam o custo de funcionamento da plataforma informática que lhe serve de suporte e para a qual o Estado em nada contribui.

Acresce que, há cerca de uma década, o poder legislativo acabou com as transferências de uma ínfima parte das custas judiciais para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, podendo ter contribuído para criar um problema de sustentabilidade da mesma no futuro.

É o mesmo Estado que tem fomentado, umas vezes por ação outras por omissão, a atividade ilícita de procuradores e agentes que, não pertencendo às profissões do judiciário, lhes vai permitindo a prática dos atos próprios dos advogados como as auditoras, as consultoras, as imobiliárias, os cobradores do fraque, os contabilistas, as funerárias, etc., tentando inclusive legalizar estas atividades.

E é por isso que quando o poder político ou legislativo fala em precarização dos serviços jurídicos deve, antes de tudo o mais, colocar a mão na consciência e assumir as suas responsabilidades. E, já agora, se não for pedir muito, que contribua para corrigir o que de muito mal tem feito a estes profissionais.