Luís Pires de Lima, advogado de Rui Silveira, explicou ao Jornal Económico que “é falso que Rui Silveira [ex-administrador do BES] tenha tentado obstaculizar a justiça” e rejeita que tenha recusado depor na qualidade de testemunha arrolado pelo Banco de Portugal. O que se passou é que os advogados estão abrangidos pelo dever de sigilo profissional previsto no Artigo 92.º – Segredo profissional, do estatuto da Ordem dos Advogado, no âmbito da Deontologia Profissional e a sua violação dá direito a processos disciplinares.
Assim Rui Silveira não pode prestar depoimento na qualidade de advogado do Grupo Espírito Santo “porque isso obriga a estar desvinculado dos deveres de sigilo profissional pelo Conselho Regional competente da Ordem de Advogados”, avança Luís Pires de Lima.
A Ordem dos Advogados tem de autorizar previamente a violação do sigilo profissional, o que só acontece em casos muito excecionais, explica um advogado.
O ex-administrador do BES não pediu à Ordem de Advogados dispensa do sigilo profissional para ser testemunha deste caso que surgiu na sequência de um processo de contra-ordenação do supervisor bancário.
Ao que tudo indica, Rui Silveira não sabia sobre o que ia falar como testemunha e não pediu previamente dispensa do sigilo profissional a que está obrigado porque isso é uma tarefa que deve ser pedida por quem move o processo, neste caso o Banco de Portugal.
O instrutor do processo no Banco de Portugal terá também alertado Rui Silveira para um caso em que foi chamado a testemunhar na qualidade de advogado das empresas do GES, nomeadamente saber quem colaborou na elaboração dos estatutos do Conselho Superior do GES, que não é um órgão social e foi criado há cerca de 30 anos.
O Jornal Público notícia hoje que Rui Silveira se recusou a levantar o sigilo profissional no processo em que o Banco de Portugal investiga o papel de Ricardo Salgado na sociedade Eurofin que foi criada para pôr o BES a financiar o GES.
O Público relata ainda que entretanto o Banco de Portugal recorreu para o Tribunal de Santarém, que por sua vez solicitou um parecer ao Tribunal da Relação de Lisboa que devolveu a decisão para o Tribunal de Santarém para que este pedisse o levantamento do sigilo profissional do advogado Rui Silveira à Ordem do Advogados, com vista a poder ser testemunha deste processo judicial. Só que ainda não há decisão da Ordem dos Advogados. O processo já se arrasta há largos meses.
Rui Silveira foi o advogado do Grupo Espírito Santo que elaborou o regulamento do Conselho Superior antes ainda da privatização do BES em 1992.
A Eurofin está sediada em Lausanne, na Suíça, e foi criada em 1999 por Alexandre Cadosch, alto quadro do GES que foi vice-presidente da Gestar entre 1990 e aquele ano. Uma empresa do Grupo, a Espírito Santo Resources, chegou a ter uma posição de 23% no respectivo capital. Em 2008, uma apresentação criada pelos executivos da Eurofin sugeriu que a Eurofin passasse a adotar uma marca que a associasse ao Grupo e propôs o desenvolvimento de produtos financeiros para os clientes do BES.
A sociedade terá sido usada para ao longo de cinco anos tirar 1,3 mil milhões de euros do BES para financiar à ESI e outras sociedades do GES. Este é o último grande processo que o Banco de Portugal abriu na sequência das acontecimentos que ditaram a queda do BES. De uma forma simples, o BES emitia obrigações a cupão zero, ou seja, não pagavam juros, que depois eram vendidas à Eurofin. Esta, por sua vez, revendia-as a taxas de juro elevadas, gerando um lucro que era absorvido pela Eurofin e depois feito chegar a entidades ligadas à família e ao Grupo Espírito Santo. Segundo relatado na altura pelo Expresso, o BdP fez as contas e concluiu que entre 2009 e 2014 este esquema expropriou o BES em 3 mil milhões de euros brutos, que se transformam numa perda líquida de 1,3 mil milhões. A diferença é explicada pelas recompras que entretanto foram feitas de algumas das obrigações emitidas.
A engenharia financeira montada pelo BES e a Eurofin, sociedade suíça especializada em serviços financeiros e controlada pelo núcleo duro do GES, foi conhecida um mês antes do colapso do banco da família Espírito Santo. Foi no final de julho de 2014, no mandato de Vítor Bento como CEO do BES, quando o banco apresentou prejuízos recorde de 3,5 mil milhões de euros nos primeiros seis meses daquele ano. Um resultado para o qual contribuíram as perdas registadas de 1,3 mil milhões de euros devido a uma operação que envolveu o BES e a Eurofin, usada para vender títulos aos seus clientes que serviram para financiar o GES.
Segundo a acusação do BdP, noticiada pelo Expresso, as 54 emissões feitas via Eurofin eram realizadas pelo Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME), liderado por Isabel Almeida, mas o BdP acredita ter provas de que as ordens para que estas operações fossem executadas vinham de cima, de Morais Pires e Ricardo Salgado.
O Banco de Portugal acusou os dois banqueiros de atos dolosos de gestão ruinosa, uma das sanções mais graves cuja coima pode ascender a 2 milhões (não podem ultrapassar os 4 milhões na soma final de todas as acusações) e, neste caso, apenas pode ser aplicada a administradores, deixando de fora um conjunto de pessoas do DFME, como Isabel Almeida.
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