Por estes dias, discutem-se na Ordem dos Advogados as regras de acesso à profissão e, em particular, se a licenciatura em Direito deve continuar a ser suficiente para ingressar no estágio de advocacia. Com o argumento de que é necessário reforçar as qualificações dos advogados, a proposta do Bastonário vai no sentido de exigir aos candidatos a advogados a prévia conclusão do mestrado ou, em alternativa, a realização de uma pós-graduação reconhecida pela própria Ordem.
Não se percebe, antes de mais, a equiparação entre o mestrado, que é um grau académico formal, necessariamente acreditado pela A3ES, e cursos não conferentes de grau, cuja extensão e conteúdos as Faculdades de Direito definem com grande liberdade, ao abrigo da sua autonomia académica. É certo que, segundo a proposta, essas pós-graduações necessitariam do beneplácito da Ordem, mas tal solução colocaria esta associação profissional nos espaços de competência, simultaneamente, da agência de acreditação e das universidades.
Sobretudo, esta proposta é profundamente injusta. É injusta para com os muitos advogados que ingressaram na Ordem ao longo dos últimos anos “apenas” com a licenciatura. Assim como é injusta para com os alunos que, do Minho ao Algarve, se encontram a frequentar o curso de Direito e que estão agora sob a ameaça de verem o seu já longo período de formação prolongado por mais um ano ou um ano e meio.
Aos primeiros, a proposta que está em discussão diz-lhes que a formação jurídica que tiveram na Universidade, mesmo depois de complementada com a que é ministrada durante o estágio, não foi suficiente. Os formadores da Ordem não ficam bem na fotografia, nem os patronos que acompanharam estes jovens advogados, nem tão-pouco os escritórios que os recrutaram “somente” com a licenciatura e lhes proporcionaram um estágio. No fundo, nada do que veio depois do ingresso na Ordem foi suficiente para suprir esse pecado original chamado “licenciatura pós-Bolonha”. Quatro anos “apenas”, em vez dos antigos cinco anos…
Quanto aos milhares de alunos que neste momento estão a concluir a licenciatura em Direito, é claro que, se tiverem a oportunidade de fazer o mestrado, não devem desperdiçá-la. O impacto positivo do mestrado no respetivo percurso profissional é inegável.
Mas, infelizmente, nem todos os alunos têm essa possibilidade. Há muitas famílias para quem pagar as despesas da formação universitária dos filhos constitui um pesado sacrifício financeiro. São as propinas, públicas ou privadas. Mas são também as rendas, a alimentação, os livros. Há ainda muitos trabalhadores-estudantes, que lutam simultaneamente com falta de dinheiro e com a escassez do tempo para preparar aulas e exames.
Em ambos os casos, estes estudantes precisam de entrar no mercado de trabalho tão depressa quanto possível e não podem dar-se ao luxo de adiar o início do estágio – quantas vezes não remunerado ou, pelo menos, não adequadamente remunerado – mais um ano ou um ano e meio.
Será assim tão difícil calçar os sapatos destes alunos? Ou será que a lógica corporativa da restrição do acesso à profissão vai prevalecer?
Mestrados à força? Não. Mestrados feitos por decisão livre de cada um? Sem dúvida.
De resto, num tempo em que o Direito evolui a um ritmo alucinante, o problema da qualificação dos advogados não se coloca tanto no momento do acesso ao estágio, mas mais para diante, ao longo das décadas de prática profissional de muitos deles!