A Associação Empresarial de Portugal (AEP) está contra o pedido de suspensão das políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) enviado por algumas embaixadas norte-americanas acreditadas em países europeus. Num breve comentário ao Jornal Económico, o presidente do Conselho de Administração da AEP, Luís Miguel Ribeiro, disse que “a AEP encara com redobrada preocupação mais um constrangimento, entre os muitos já existentes, que é colocado às empresas nacionais” no processo de desenvolvimento dos seus interesses de negócios nos Estados Unidos.
“Lembramos que as práticas associadas à não discriminação têm sido, a nível europeu e nacional, uma das componentes do pilar social das suas estratégias de sustentabilidade, em muitos casos implementadas até de forma voluntária há vários anos, e que os consumidores valorizam cada vez mais”, refere Luís Miguel Ribeiro, para recordar que a prática de defesa das políticas DEI é mesmo encarada como uma mais-valia concorrencial. A prática europeia segue no sentido de discriminar positivamente as empresas que assumem essas práticas – sendo a decisão dos Estados Unidos exatamente contrária àquilo que vem sendo implementado deste lado do Atlântico.
De qualquer modo, o líder da associação ressalva que a proposta da carta enviada pela embaixada “é uma questão muito complexa, que carece de uma análise jurídica para se entender o alcance da aplicação”.
As embaixadas dos Estados Unidos foram mandatadas pela administração Trump para enviarem às empresas que lhe fornecem bens e serviços informação segundo a qual devem abandonar os seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), em cumprimento da ordem executiva assinada em janeiro por Donald Trump. Não é claro quais foram os países cujas embaixadas foram mandatadas para enviar a informação, mas pelo menos Portugal, França, Bélgica, Dinamarca, Itália e Espanha fazem parte do rol.
O processo de ‘desconstrução’ das políticas DEI surgiu nos Estados Unidos ainda antes da tomada de posse de Donald Trump (a 20 de janeiro passado), como resultado da evidência de que a nova administração da Casa Branca iria lançar-se contra os seus propósitos. Victoria’s Secret, Warner Bros, Meta, McDonald’s, Walmart, Boeing e Ford começaram a rever as suas políticas nessa área ainda antes da tomada de posse, face ao aumento, nos Estados Unidos, de processos judiciais e de campanhas online. Os detratores das políticas DEI consideravam-se alvo de discriminação por não as praticarem e detetaram na nova administração uma oportunidade para acabarem com elas. A própria Goldman Sachs retirou uma seção sobre “diversidade e inclusão” de um registo anual de empresas divulgado no final de fevereiro, com o CEO, David Solomon, a alegar que esse registo “deve refletir os desenvolvimentos na lei nos EUA”, segundo a agência Reuters.
O conceito de DEI espalhou-se pelos Estados Unidos nas últimas décadas – principalmente desde os protestos Black Lives Matter surgidos na esteira do assassinato de George Floyd por policiais em 2020. Ao encorajar a representação e a participação de pessoas de diferentes géneros, raças, habilitações e orientações sexuais, entre outros marcadores de identidade, os movimentos a favor destas políticas esperavam identificar e suprimir desigualdades e discriminações sistemáticas. A iniciativa estava acantonada em estudos de mercado que mostram que priorizar a diversidade leva a mais inovação e criatividade, além de ajudar as empresas a comunicar com uma base de consumidores mais plural.
A vitória de Trump e o facto de algumas das suas primeiras decisões (os famosos decretos presidenciais) terem sido dirigidas para acabar com essa diversidade – nomeadamente nas Forças Armadas – mostrou que as políticas DEI tinham ‘os dias contados’. Mais uma vez, Donald Trump limitou-se a cumprir o que havia prometido durante a campanha para as presidenciais. Ao longo desses meses, Trump prometeu que, de regresso à Casa Branca, “vou eliminar todos os programas de diversidade, equidade e inclusão em todo o governo federal”.
O maior empregador do mercado norte-americano, a rede comercial Walmart, não demorou a perceber a mensagem e decidiu encerrar um programa de talentos que visava aumentar a diversidade racial e promover a equidade dentro da empresa. Ao anunciar o fim dos seus programas de diversidade, a Meta – empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – justificou a decisão alegando mudanças no “cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, inclusão e equidade nos Estados Unidos”. Ambos os grupos tomaram a decisão antes de Trump regressar à Casa Branca.
A 18 de março passado, o site oficial da Casa Branca escrevia que a administração decidira “remover o Preceito Fundamental Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade dos critérios de estabilidade e promoção do Serviço Exterior”. “O governo dos EUA não baseará as decisões de recrutamento, contratação, promoção ou retenção do Serviço Exterior na raça, cor, religião, sexo ou nacionalidade de um indivíduo, nem incorporará ideologia de equidade discriminatória em nenhum elemento do Serviço Exterior”. “As agências relevantes devem identificar e tomar as medidas apropriadas em relação a qualquer Oficial do Serviço Exterior que, consciente e intencionalmente, se tenha envolvido em discriminação ilegal”.
Vários países europeus têm rejeitado as embaixadas dos EUA que pedem que contratantes estrangeiros cumpram as medidas anti-DEI do presidente Donald Trump, afirmando que as leis em seus países de origem superam as dos Estados Unidos, onde muitas empresas sediadas nos EUA já revogaram programas de diversidade.
“Se os contratos fossem rescindidos somente porque uma empresa está comprometida com a diversidade e inclusão, isso poderia constituir uma violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas”, disse o vice-primeiro-ministro belga, Maxime Prévot, numa declaração sobre o assunto, afirmando que a embaixada dos Estados Unidos “deve cumprir a lei belga nas suas ações”. “Essa prática reflete os valores da nova administração americana, que não são os nossos”, disse por sua vez o ministro da Economia francês, Eric Lombard.
UGT envia carta à embaixada
Entretanto, a carta mereceu a atenção da central sindical UGT, que decidiu responder-lhe. Endereçada a Douglas Koneff, encarregado de negócios da embaixada, a carta confirma que “a União Geral de Trabalhadores (UGT) teve conhecimento de que o vosso Governo terá iniciado diligências no sentido de contactar empresas que operam em Portugal no sentido de promover alterações ou a retirada de programas de promoção da diversidade, equidade e inclusão, no seguimento de uma ordem executiva assinada, em janeiro, pelo Presidente dos Estados Unidos da América”.
A UGT não “pode deixar de manifestar a sua preocupação com a possibilidade de uma tal prática, atentos os princípios de acolhimento e de respeito mútuo pelos valores e princípios que regem os nossos dois países, os quais sempre se traduziram no integral cumprimento – e na promoção desse cumprimento – da legislação em vigor em cada um deles”.
Assinada por Mário Mourão, secretário-geral da organização sindical, a UGT refere que “Portugal é um Estado de Direito, inserido na União Europeia e não podemos deixar de recordar que os Tratados da União Europeia e a nossa Constituição garantem a igualdade e o direito à não discriminação com base no sexo, raça, religião, deficiência, idade ou orientação sexual”.
Em Portugal, as empresas trabalham regularmente com os sindicatos para desenvolver programas que estimulem a igualdade e a diversidade, “no pressuposto que, desta forma, se podem construir locais de trabalho livres de discriminação e de assédio. Os acordos coletivos de trabalho asseguram que as empresas têm práticas compatíveis com a legislação europeia e nacional e promovem a igualdade, a diversidade e a inclusão no dia a dia”.
E esse é um trabalho que deve ser respeitado, preservado, incentivado por todos. Empregadores, Trabalhadores, Cidadãos e Estados. “Estes são princípios basilares para que o trabalho digno seja uma realidade e para construirmos uma sociedade que queremos mais equitativa, que exigem não o seu afastamento, mas a sua promoção, algo a que, aliás, os empregadores portugueses estão obrigados”.
“A UGT espera assim que os Estados Unidos dêem continuidade à política que, ao longo de décadas, desenvolveram nos vários países com os quais mantêm relações e nas instituições internacionais a que pertencem, nas quais sempre tiveram um papel vital para a concretização de um mundo mais democrático, mais justo e mais solidário”, conclui a missiva.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com