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Afinal de quem são as dívidas? E os quadros? A resposta a estas e outras questões sobre a polémica Berardo

A prestação do empresário madeirense na Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa gerou mais polémica do que esclarecimentos. Confira alguns dos pontos essenciais do caso.
15 Maio 2019, 15h47

O empresário foi criticado pelos deputados da segunda comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e à gestão do banco, que na terça-feira qualificaram a prestação do empresário de “deplorável”, “absolutamente lamentável” ou “revoltante”.

Na segunda-feira, tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro tinham criticado a atuação do empresário na Assembleia da República, tendo entretanto o tema transbordado para a campanha para as eleições europeias.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu que personalidades como o empresário Joe Berardo, condecorado por dois dos seus antecessores, têm “maior exigência de responsabilidade” e devem “ter decoro” e “respeitar as instituições”.

Já o primeiro-ministro, António Costa, disse que o país está “seguramente chocado com o desplante” de Joe Berardo, quando foi ouvido na Assembleia da República, e disse esperar que o empresário pague “o que deve” à CGD.

Eis algumas perguntas e respostas sobre o tema:

Por que foi Joe Berardo ao parlamento?

As empresas e sociedades ligadas a Joe Berardo são dos maiores devedores da CGD, banco alvo de uma segunda comissão parlamentar de inquérito à sua recapitalização (de quase cinco mil milhões de euros) e gestão.

A presente comissão parlamentar de inquérito foi impulsionada depois de conhecido um relatório de auditoria da EY a atos de gestão do banco público entre 2000 e 2015, e entre as 25 operações que geraram maiores perdas para a CGD encontram-se dois financiamentos a sociedades do universo Berardo.

Que operações foram essas?

Relativamente a Joe Berardo, a auditoria da EY identifica um crédito inicial de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, bem como um outro de 50 milhões de euros à Metalgest, ‘holding’ do universo do empresário madeirense.

Em 2015, segundo a auditoria, a exposição da CGD à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, sendo de 53 milhões no caso da Metalgest.

As operações de crédito serviram para financiar a aquisição de ações do BCP, no já denominado “assalto” ao banco, em 2007 (que Berardo rejeita), dando como garantia à CGD as próprias ações.

Como as ações desvalorizaram de forma abrupta e praticamente na totalidade em poucos anos, a garantia dada pela Fundação José Berardo à CGD perdeu o valor, gerando perdas avultadas para o banco público.

No que consiste o universo Berardo?

Do universo Berardo, o maior devedor à CGD é a Fundação José Berardo, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sediada no Funchal e criada em 1988. Além desta fundação, a Metalgest, ‘holding’ associada a Berardo, também deve à Caixa.

Além da IPSS Fundação José Berardo e da ‘holding’ Metalgest, são também relevantes para esta história a Associação Coleção Berardo, dona das obras de arte, e ainda a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, a face mais visível ao público, por ser a que alberga as obras de arte no CCB, em Lisboa.

A Associação Coleção Berardo foi fundada em 1996 por Joe Berardo com o propósito de deter a sua coleção de arte.

A Fundação Coleção Berardo foi fundada em 2007 para albergar as obras da Associação Coleção Berardo no CCB, e os seus fundadores foram Joe Berardo a título pessoal (que também é presidente honorário, do Conselho de Administração e do Conselho de Fundadores) , a Associação Coleção Berardo, a Fundação Centro Cultural de Belém e o Estado português.

De acordo com o ‘site’ do Museu da Fundação Coleção Berardo, o advogado do empresário, André Luiz Gomes, faz parte do Conselho de Administração da Fundação Coleção Berardo. O filho de Joe Berardo, Renato Berardo, também faz parte do mesmo Conselho de Administração.

Quanto deve Joe Berardo aos bancos?

Aparentemente, em termos pessoais, nada. Berardo repetiu durante a sua audição no parlamento que “pessoalmente” não deve nada, que não tem nada, e que é “claro” que não tem dívidas.

De facto, o maior devedor à CGD é a Fundação José Berardo, IPSS sediada no Funchal e criada em 1988. Também a Metalgest, ‘holding’ associada a Berardo, deve à Caixa.

Uma das principais questões em debate na comissão parlamentar de inquérito é a forma como a CGD concedeu crédito à Fundação José Berardo, aceitando como garantias títulos aparentemente pouco valiosos em termos concretos.

Em 20 de abril, CGD, BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros, executando ainda a Fundação José Berardo e duas empresas ligadas ao empresário.

O valor em dívida às três instituições totaliza 962 milhões de euros.

Um dos objetivos da ação é aceder às obras de arte da Coleção Berardo, sobre a qual o empresário tem um acordo com o Estado pela qual as obras de arte estão em exposição no CCB, em Lisboa, até 2022, não podendo ser vendidas.

Não é certo que as garantias dadas por Berardo sejam executáveis, ou seja, que as obras de arte sejam arrestáveis e válidas como garantia.

Por que podem as obras não ser válidas como garantia?

Além dos créditos garantidos por ações, a Fundação José Berardo deu ainda como garantia à CGD (e a outros bancos, nomeadamente BES [hoje Novo Banco] e BCP) 75% dos títulos da Associação Coleção Berardo, a sociedade que detém as obras expostas no CCB.

Foi ainda revelado na sexta-feira, na audição ao empresário, que houve um aumento de capital na Associação Coleção Berardo, numa reunião que não contou com a presença dos bancos credores, que diluiu os 75% dos títulos detidos pelos bancos como garantia.

Berardo disse, então, que não tinha de ter convocado os credores, e remeteu para uma ordem do tribunal de Lisboa.

A garantia dada são títulos de participação na Associação Coleção Berardo, e não as obras de arte em si, razão pela qual subsiste a dúvida sobre se são uma garantia executável. Da audição não se compreende quanto é que, de momento, os bancos credores detêm em títulos da Associação Coleção Berardo.

Durante a sua audição, Joe Berardo riu-se da hipótese de que caso os bancos executem a garantia (“eles que o façam, estão no seu direito”, disse) deixaria de ser ele a mandar na Associação Coleção Berardo.

Berardo foi então acusado pela deputada do BE Mariana Mortágua de fazer uma “golpada”, sugestão que o empresário recusou, remetendo as decisões de aceitar como garantia títulos da associação para os responsáveis pela concessão de crédito.

O Estado tem opção de compra das obras de arte? 

Berardo diz que não, mas o primeiro-ministro disse que sim, durante o debate quinzenal na Assembleia da República, na segunda-feira.

De acordo com a revista Visão, em 2016, aquando da última renegociação do contrato de comodato com o Estado até 2022, “o Ministério da Cultura conseguiu garantir a continuidade do Museu Berardo. Mas perdeu-se a opção de compra da coleção ao valor estipulado em 2016: 316 milhões de euros [avaliado pela leiloeira Christie’s]. A última palavra será sempre do comendador”.

Ou seja, a opção de compra estará indexada à aceitação por parte de Joe Berardo do valor da avaliação sugerido pelo Estado, que já não são os 316 milhões de euros que Berardo tinha aceitado até 2016.

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