Em que encargos se terá metido o juiz Carlos Alexandre para que tenha de se esfalfar tanto no “Ticão”? A entrevista que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal deu recentemente a um canal de televisão vai ser analisada pelo Conselho Superior de Magistratura e é muito provável que o desfecho dessa averiguação termine com uma “vaquinha” entre os membros desse órgão, por forma a ajudar o colega nos apertos financeiros em que, ao que parece, este se encontra.
Com efeito, não sendo usual que um juiz conceda entrevistas a órgãos de comunicação social, esperávamos ver explanados outros temas que não o ressabiamento económico de um magistrado que, ainda que auferindo bastante mais do que um deputado e drasticamente mais do que o cidadão comum, se lamuria repetidamente a uma jornalista, ao longo de 40 minutos, sobre a sua situação financeira. Queixa-se dos cortes a que o governo de José Sócrates o sujeitou (ups, será que podia falar de Sócrates?!); chora-se pelo facto de ter de trabalhar aos sábados para conseguir pagar as contas; e lamenta não ter férias há mais de 10 anos (alô, ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho… estão a ouvir isto?).
O que não se percebe é que vícios podem estar a provocar tanta ganância ao “saloio de Mação” que parece praticamente não ter “vida” e, por isso, pouca despesa. Ora, se este juiz chega a casa a tardias e más horas; não tem amigos (logo, não se mete em patuscadas); não tem férias; não vai a conferências; não estuda em pós-graduações; come “espartanamente” o que a mulher cozinha (até aqui ainda imaginávamos que pudesse ser a gula o pecado do juiz); onde poderá, então, estar Carlos Alexandre a injetar o seu “parco” salário de magistrado que ainda tem de ser engrossado com o sangue, suor e lágrimas semanais?
É certo que a única coisa que nos podia interessar numa entrevista a um juiz deste calibre é, justamente, aquilo de que ele não pode falar: os processos em que está embrulhado. À falta de se poder esmiuçar este tema, venha então algo sobre a vida privada que nos possa dar uma luz sobre a sua destreza profissional e a sua capacidade decisória, alicerçadas nas suas experiências de vida que tão importantes são para auxiliar o sentido das sentenças! Mas também aqui nada…
Carlos Alexandre tem uma vida pobre do ponto de vista social, furtando-se, até, a almoçar com os colegas porque se preocupa que as pessoas nas mesas do lado estejam a ouvir o que está a dizer – “pessoas que recorrem a fontes humanas ou não-humanas, pessoas que recorrem ao mexerico”. O seu telefone vai “estranhamente abaixo”, passando para o “voice mail” em sítios onde “está com carga máxima”, quando não ouve “um restolhar de papéis” e “água a marulhar” do outro lado… O “juiz sem medo” não acusa, porém, os serviços de informações – “não imputa” – apenas diz que conhece “a maneira de ser e de proceder”, embora se desconheça (mas se devesse conhecer) de que forma foi o manual de procedimentos do SIS parar à sua caixa de correio…
Vítima de alguma alucinação persecutória, é o próprio Carlos Alexandre que diz ser um “bicho-do-mato” que mergulha nas escutas que leva para casa. Não percebemos se o juiz não tem amigos por vontade própria, se por inabilidade. Mas percebemos que, seja por uma causa ou por outra, se não tem pessoas que gostem dele também seria difícil ter “dinheiro ou contas bancárias em nome de amigos”. Porém, o que parece ressaltar da entrevista é que Carlos Alexandre está confortável com o facto de “não ter amigos”. O maior desconchego prende-se, mesmo, com o facto de “não ter dinheiro”.
Corporalmente falando, de “super” Carlos Alexandre tem muito pouco. De cabeça baixa e enfiado na cadeira onde se encolhe o mais possível, o juiz surge pouco firme e nada poderoso. A sua postura oscila entre os gestos pacificadores, recheados de auto toques – aqueles gestos em que nos tocamos a nós próprios, normalmente no rosto, procurando acalmar alguma ansiedade – e o balanço corporal excessivo que o faz mexer nervosamente na cadeira e que denota incómodo e nenhuma segurança. O riso nervoso e exagerado, com que começa a peça também é um indicador do desconforto sentido pelo magistrado, normalmente sisudo e carrancudo. Os momentos de maior descontração ficam guardados para Mação, quando vemos a igreja e a escola primária na companhia do juiz.
Não sabendo bem o que Carlos Alexandre pretendia com esta entrevista – talvez “sair de fininho armado em grosso” – da nossa parte preferíamos ter ficado com a ideia de um poderoso e competente magistrado, bom lacaio da justiça. À semelhança dos rumores de que Hillary Clinton tem uma sósia, quase seria melhor acreditar que foi alguém que se fez passar pelo “super juiz” quem concedeu este deprimente momento televisivo. Assim, o que guardamos é a imagem de uma justiça banal, contabilística, sensaborona, em que os seus funcionários não procuram ter uma “vida rica”, mas uma “rica vida”.