A frase era outra, lembra-se? Foi dita pela primeira vez em 2003, por Jorge Sampaio, então Presidente da República. Depois foi sendo repetida, sempre à esquerda. Carlos César voltou a dizê-la em 2016, regozijando-se com o facto de o novo Governo (o atual), ao contrário do anterior, não ter sacrificado tudo à aritmética orçamental.
Ora, a vida para além do défice não é, curiosamente, muito diferente da anterior. Aliás, piorou. Contas do INE, e temos a carga fiscal mais elevada dos últimos 22 anos. 37% do PIB é garantido pelos impostos dos portugueses, mais do que em 2016. Em 2015, o PS falava em asfixia de impostos, acusava o governo de então de desprezo pelas pessoas e de tratá-las como parcelas de excel. E o atual? Que tudo manteve (com uma roupagem e um discurso diferentes) e se orgulha – palavras de Centeno – de não ter pedido sacrifícios adicionais?
Uma estratégia orçamental de um país que quer viver para além do défice não pode reger-se unicamente pelo défice. Um défice controlado é um mínimo olímpico, mas os portugueses não têm de trabalhar para objetivos de défice. Trabalham por qualidade de vida e os impostos que pagam devem traduzir-se exatamente nisso. Estamos numa situação absurda em que crescimento económico e recuperação não se traduzem em alívio para as famílias, mas sim em alívio para os governos que arranjam, mais uma vez, margem para não reformar, porque há mais gente a pagar impostos e a ajudar a manter o défice sob controlo.
Mas o país em que vivemos é cronicamente o inverso. Os sucessivos governos justificam, ora com retrações do PIB, ora com crescimentos anémicos, o facto de os cidadãos trabalhadores entregarem cerca de meio ano do seu trabalho ao Estado. Com o principal propósito de manter o défice controlado. Ora, o aumento dos impostos que marcou o período do programa de assistência financeira e o ciclo político que se seguiu não melhoraram os serviços prestados pelo Estado. Pelo contrário. As escolas públicas têm um desempenho vergonhoso em relação ao ensino privado. O Serviço Nacional de Saúde deteriorou-se a olhos vistos desde a sua criação e se queremos melhor Saúde, os nossos impostos não servem para isso. Precisamos de um seguro de Saúde.
Há uma enorme diferença entre cortar despesa e reformar o Estado. Reformar o Estado é redimensioná-lo e ser realista na alocação de recursos. Não é manter uma carga fiscal que, aquando do governo da coligação era inaceitável para a esquerda, mas agora é defendida pelo ministro das Finanças, que se gaba de não ter aumentado os impostos. Em vez de devolver direitos a uns, devia ter falado para todos, dando um sinal de desagravamento fiscal. Não foram pedidos sacrifícios adicionais, diz Centeno, mas os que nos têm sido pedidos nos últimos dez anos já fazem de Portugal um pais de pobres que pagam impostos como ricos.
Resultado? Ano após ano, tornamo-nos um país que baliza por baixo, que não compete fiscalmente ao nível da captação de investimento, o motor que continua gripado. Eis o retrato de um pais que não sabe viver para além do défice, governe quem governar.