(Vou passar à frente do escândalo do Montepio, certa de que o mais provável é ser o próximo banco do qual seremos todos accionistas na hora de pagar o prejuízo. Vivo, aliás, quase fascinada por esta vertigem da actividade bancária em que, num minuto, o Senhor Governador do Banco de Portugal assegura que está tudo bem e, no seguinte, desaparece mais uma instituição, enquanto este se lamenta da falta de poderes de supervisão. É já um clássico e um indicador de que devemos guardar as carteiras. Não me deterei igualmente no resultado dos concursos públicos dos meios de socorro aéreo, mais parecido com um jogo de sueca em que nem os participantes rodam, sendo sempre os mesmos, ainda que os ditos helicópteros possam nem lhes pertencer. De todo o modo, em ambos os casos como em muitos outros neste país, do que se trata, sempre, já nem é de partilhar mas de imputar passivos a quem nunca recebeu dividendos. Nós.)

 

Fez manchete há uns dias a circunstância de existir falta de mão-de-obra para limpar matas, logo se levantando um coro indignado com o facto de as pessoas não irem a correr aceitar os ditos mil euros (se é que o eram…) oferecidos para fazerem face a um trabalho duro e precário.

É, de facto, uma originalidade de Portugal a circunstância de o capitalismo só funcionar num sentido, isto é, no de se imporem sacrifícios, impostos e taxas ao cidadão em nome de um alegado bem maior que nunca chega. Contudo, o que é ainda mais extraordinário é a nossa capacidade de aceitarmos acriticamente o que nos é colocado à frente. Os mercados entraram para o léxico nacional como uma entidade abstracta que passou a comandar a nossa vida e em função da qual muitos foram lançados para o desemprego (sendo que a taxa de recuperação do emprego tem sido feita à custa de vínculos precários e mal pagos).

Segundo aqueles, sempre que algo escasseia, o seu preço tem de subir. É assim na habitação, é assim com o dinheiro, é assim com os bens alimentares. Ora, curiosamente, essa mesma lógica parece não se aplicar ao trabalho, persistindo nós numa lógica de nivelamento por baixo e de permanente crítica aos que ousam procurar a melhoria das suas condições (uma vez mais, ressalvando-se os casos de pluriemprego familiar de que o PS parece gostar tanto, alguns deles com currículos óptimos para a dita limpeza de matas).

Orwell escreveu que quem controla o futuro controla o passado e quem controla o passado controla o presente. Esqueceu-se foi de acrescentar que, para se controlar tudo, nada como invocar os “mercados”, principalmente no momento de apresentar a factura.  E ela virá para os mesmos de sempre. Seja sob a forma de um banco, seja sob a forma de helicópteros, seja sob a forma de subsídios de reintegração e quejandos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.