Estava a começar o projeto de doutoramento no início de 2000 e várias vezes fui questionado sobre a pertinência em estudar um território rural, com o argumento que se tratava de um tema datado do século XX e que, para além do mais, o rural já não existia ou que estava a desaparecer.

Algumas destas críticas questionavam inclusive o interesse em se estudar os territórios não metropolitanos, exteriores aos maiores aglomerados urbanos. Estas opiniões partiam do pressuposto de que a globalização e a consequente generalização dos fluxos e das redes digitais tornariam os territórios, sobretudo os mais periféricos, irrelevantes na determinação dos processos e das ações sociais.

Este tipo de posições, que se foram consubstanciando nas ciências sociais, resultaram, em parte, da adesão a perspetivas pós-materialistas e pós-modernas que, entre outros aspetos, consideravam que as estruturas sociais e territoriais perdiam a centralidade e a importância na interpretação da complexidade das sociedades modernas avançadas. A modernidade estaria assim a passar por uma espécie de liquidificação em que as estruturas sólidas de outros tempos se diluíam nas novas componentes fluidas da globalização. Certos autores chegaram até a anunciar que o espaço se tornaria plano e indiferenciado, outros que o conceito de classe social já não era determinante…

A maior parte destas abordagens não se sustentaram em base empírica relevante que demonstrasse inequivocamente o significado das suas teses teóricas. Pelo contrário, em muitos casos relegaram para segundo plano os estudos e análises que, apesar de tudo, foram identificando correlações significativas entre os diversos tipos de diferenciação territorial e o aumento das dinâmicas de desigualdade e de polarização entre classes sociais.

A crise económico-financeira de 2008 e os seus impactos sociais brutais desvelaram algo que nunca cessou de ocorrer: as estruturas continuam a ter o seu peso e a relevância dos lugares não desapareceu. Na verdade, ao invés de ter gerado nivelamentos, a globalização económica neoliberal produziu inúmeras cordilheiras entre territórios desiguais. Estas profundas assimetrias foram estranhamente apagadas no debate público e na discussão política. De tal modo que as realidades dos subúrbios e das zonas rurais esvaneceram-se numa crescente invisibilidade. As populações, e em particular as classes trabalhadoras que lá vivem, deixaram efetivamente de contar.

Todavia, os resultados das últimas eleições americanas, tal como já havia sucedido com o Brexit, revelaram várias coisas. Uma delas é que afinal o espaço rural existe e está vivo. A outra é que as pessoas que residem nestas zonas contam mesmo, demonstrando um grande descontentamento com os líderes políticos e as elites financeiras e, acima de tudo, com a vida que levam no presente e os receios que projetam no futuro. Estas e muitas mais questões que agora surgem como revelação, só o são porque durante demasiado tempo estiveram ao abandono e esquecidas pelos poderes políticos e pelas agendas dos órgãos comunicação social, assim como, das ciências sociais.

O reverso desta ocultação foi o nefasto fechamento social e identitário das comunidades rurais e suburbanas, encerradas nas suas mundividências e nos seus estilos de vida. Contudo, o pior que se pode fazer neste momento será considerá-las como uma espécie de aberração movida apenas por impulsos racistas, sexistas ou xenófobos, tal como é errado simplesmente vitimizar estes grupos sociais enquanto principais perdedores da globalização e do neoliberalismo.

Em contrapartida, o melhor que se pode fazer é não embarcar em fáceis maniqueísmos e tentar desocultar estas realidades de forma a conhecer o que está na base de tantos problemas e desequilíbrios. Ou dito de forma mais categórica: ciências sociais precisam-se!

O autor escreve segundo a antiga ortografia.